sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Respiro

Amanhece novamente nos lugares onde sopra a brisa doce do mar. Um silêncio imperial reina sobre os olhos ainda fechados que sussurram uma oração. De pernas cruzadas formando uma borboleta, a sensação de que o mundo cabe inteiro dentro dos pulmões, e que a vida tem todo o tempo do mundo para simplesmente respirar.

Ainda é noite ao som de Billie Holiday, dessa vez sem nenhuma taça de vinho ou outra voz. Sem nenhuma pretensão. Tenho vontade de apagar as luzes e balançar os pés, pra sempre, ao ritmo desse amor anos 30.

Pequenos prazeres adocicados enchem meus sentidos duma promessa de deleite, e eu aguardo ao tique-taquear das onze horas, aquele quando tudo se transforma em poesia. Sinto falta das madrugadas regadas a música, discursos apaixonados, excitação e epifania. Romântica em meio a olhos puxados por um lápis berinjela, última moda, último tom nesse rosto cheio de vergonha.

Nessas quatro paredes que se tocam e quase viram uma só há espaço suficiente para um espelho e uma dança. O corpo, maior do que devia, desafiadoramente ocupa quase nada dos meros metros quadrados, e entre o nada e o tudo desliza em graça e forma o que surge do impulso de se deixar ir. Em frente ao espelho meu corpo sonha e vive.

Amanhece novamente aqui dentro, sob a promessa de um lugar onde o horizonte é o limite frouxo de tudo o que se pode percorrer. O rigor derretido das estruturas imutáveis, dos pensamentos imutáveis, agora dá lugar a uma névoa fina e tímida de inquietação, que ganha força, ganha vida e se torna verdade. Daqui a dois, três dias, tudo nascerá de novo e se fará real, mais intenso que nunca! Meus pés estão ávidos e já querem tocar o chão.

...

Há um coração em mim e ele fica ali, logo em cima, perto do mar.