quarta-feira, 24 de agosto de 2011

[Em entendimento]

Se for me pular da tela do computador, que o faça agora, urgente. Ou se quiser entrar pela janela, arrombando os vidros e a inércia. Ao meu redor, grades feitas de ar pesado, inquebrável. Colocaram-me um potinho com água doce, folhas verdes e grãos, um cantinho para dormir, nada além. Cortaram-me as penas todas, as cores, desaprendi a cantar.
Falo comigo mesma, presencio a conversa triste de botequim no fim da noite, na antemanhã, precipitando o silêncio do tudo outra vez. Sinto o vento fresco da véspera do dia seguinte, sem consolo, sem possibilidade de desculpas ou omissões. Livre constatação, que mantém sob portas trancadas por arbítrio próprio.
Já não há lágrimas, porque até elas estão atadas. Um passo e outro passo, tudo dentro de um caminho previsto, enfeitado dos diversos tons de cinza. Não há premissa ou qualquer tipo de intenção- simplesmente sigo abstenha incapaz de, de fato, decidir. Essa essência dita gigante, que cabe dentro de uma gaiola.
Que saudades eu sinto...!
...
[ Saudades de algo que não tenho, não vi, não senti o gosto. De uma língua que não sei falar, de uma surpresa que me tirará o ar, de uma fruta que não existe. Saudades de um filho, de rugas no rosto, de uma casa em que nunca morei. De uma canção de amor ainda não escrita. Saudades de grandes montanhas que tocam o céu, no fundo do quintal. Saudades de vestidos que nunca usei, e perfumes que nunca usei, e sorrisos que nunca usei. Saudades dos senões que ainda nem pensaram em existir. Saudades de olhos que não viram os meus, mãos que não tocaram as minhas, noites de descobertas que ainda não fiz. Saudade de um cheiro, uma flor, uma rima torta com sentido. De uma viagem que ainda não planejei, de um senhor que não conheci, um palhaço com quem não tive coragem de falar. Saudade de uma lua que não admirei ao lado de alguém. Sabe... Saudade até daquilo que tenho saudade. ]

"...Já não vivo nem morro em vão..."

Hoje, exatamente hoje, faz três ou quatro meses que meu parágrafo mudou. Sou tomada por um assombramento inquieto , pelo tamanho do sentimento que ainda reside em mim, mais novo a cada dia. Como se ainda fosse possível... Se eu fechar os olhos consigo tocar a felicidade, esse algo palpável, digno de ser vivido de pés descalços, mar, areia, cabelos ao vento e poesia. Tento me convencer de que mereço a sorte de sentir desse jeito intenso, que me deixa sem escolha, que me umidece os olhos, palpita o peito, arrepia suavemente os pêlos da nuca. Olho muda, perplexa, e com o encantamento digno de descobertas milenares, a minha canção em forma de gente.
O verso agora está dentro de mim, se expressa em meu riso cheio de paz e medo. Corro contra o tempo, contra a estase imutável das cores sem vida, porque hoje meu senso pede que eu exploda, mesmo caminhando contidamente calma, dentro da guia. Se pudessem enxergar para dentro, veriam que eu levo comigo a fonte doce do querer maior que há. Ah, que vontade de deixar ser, sem prerrogativas, sem pausa inspiratória, sem amanhã. Finalmente, a minha sede vira fruta cheia de mel. E arde.
Encontro a minha boca sussurrando um nome, há três ou quatro meses fantasiado de meu. Não me importo com o tom bobo envolvendo meu cenário de deleite. É o real que me inunda nessa dança a dois, cheia de balanço e saudade...

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Melancolia

Há uma coisa rústica no meu mundo, apesar dos avisos vitais de modernidade. A tecnologia pisca suas luzes e sons ao redor de mim, que estou toda encolhida dentro de um chapéu de palha, guardada num baú empoeirado e alérgico. Tomo o café a goles largos e calmos, quente. Poderoso sabor que me toma... Esse é o momento de viver a descoberta de ontem, que fiz ao sair espremida de um casulo apertado, lagartixa que regenera sua cauda. A introspecção dolorosa, mas vivenciada sem desespero, me soa hoje quase como um ato heróico. Eu sei das minhas próprias armas. Para além da limitação.
Dei a luz a um impulso egoísta de não me envolver, de deixar fluir sem que eu faça parte. A perda de objetos antes inquestionáveis me é tão seca quanto úmida, que presevo o direito de apenas observar, calada, minha nova forma de interação comigo mesma. Com o outro...
O relógio de pulso apita a urgência de uma tarde sem pressa. Dentro de uma sala escura, com uma história brilhando da parede, aceito a necessidade da pausa para o não-pensar. Estou tão para dentro que os meus olhos estão virados. Agora sou eu quem quer preservar a distância, a fina camada de defesa do que é só meu e está querendo sair. Um mundo inteiro gigante e novo, como se eu precisasse colocar um asterisco logo acima do meu nome. Não é apenas um adendo- dessa vez, até o espelho me engana. E eu pessoalmente estou satisfeita com essa velha estranha que se apresenta a mim com um ar resignado e leve, uma cicatriz justa no peito e a melancolia no perfume...

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Meus mares

Doce a minha solidão, que me faz chegar a gostar de mim, do que está guardado com uma potinha de quase-dor. Meus dias têm sido o prenúncio de um banho de mar, ondas que vão e vêm, suavemente, calmas. Parei de sangrar, parei de ferir meus próprios sonhos. Tudo ao seu tempo, eu simplesmente vou, tudo é meu.
Respeito o meu direito de caber em mim, minha própria caixinha de lenços perfumados. Um filme antigo à espera de ser visto, rabiscos com a letra ilegível, flores semi murchas no vaso em cima da mesa. Esse é o mundo ao meu redor, grande o suficiente para abrigar toda a minha necessidade de agora.
Vivencio à meia luz uma paixão sóbria, meu bem, meu mal, alma, coração. Tenho tempo de respirar, de pedir permissão ao sentido antes de morrer de sentir. Sou sussurro, poeira assentando no chão, algodão. Tenho desenhado borboletas cor azul, a forma de falar o silêncio... Dias em forma de luz clara, como um amanhecer constante. Até a angústia tem ardor mais leve, um ar elegante de quem vem apenas para se fazer lembrança... Mas nada leva nada, me deixa inteira, na discreta dúvida do que realmente fazer com tudo de mim, o agora, o antes e o depois.
A noite é curta demais pra esse desfrute leve, interior, entre quatro paredes. Gosto dos ruídos de luzes que piscam longe, mimetizando a vida que cabe dentro do espaço de cada um. Todo mundo assim, como eu - tão diferente... Não há lugar para o estranhamento do mundo. Aprendi que é confortável estar com as múltiplas de mim. Com a eu de fato. Medos, vertigem e sede. Aproprio-me do encantamento de não-saber, mas de ser óbvio. Dicotomia sabor alecrim. Simples assim...

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Ébano

Ele tinha olhos pequenos pro tamanho do desejo que guardava. Tinha dentes alvos, preenchendo a boca grande, o riso alto que enfeitiçava meus ouvidos. A lembrança me vem ainda na cama, hálito sabor de ontem, com cheiro de incenso de lavanda. O sol invade as cortinas, minhas frágeis arestas, a música do vizinho avisa que o deleite pode ser vivido ainda sozinha, ainda entre as cobertas.
Ele tinha um nome, mas eu dei um apelido que era só meu. Encheu o meu copo uma, duas, outras vezes em que deixei de contar. Mel e limão. Batia uma mão na outra fazendo o batuque para que o meu corpo dançasse, e eu tremia com a urgência do meu desejo, furacão.
Pele cor carvão, em brasa.
Misterioso ar da noite, que me apresenta a mim mesma com uma nova identidade. Homem pavão, penas e braços pra cima de mim. Em cima de mim. Eu me esquivo arrastando parte do perfume comigo, entrando no jogo sem a menor intenção de ganhar. Ele chega mais. Forte. Não há mais frio, nem ninguém. Eu desminliguo.
A dança agora é só para um.
(...)
Ouvindo "Man Down", Rihanna