segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Chamado

Quero que venha logo, entre e sente nas cadeiras, nas almofadas jogadas pelo chão, no balancinho cor de rosa. Quero que invada todos os cantos, tire os sapatos, sinta-se à vontade para fazer disso aqui, sua moradia.. Experimente os perfumes. Coma os sorvetes no congelador para dias que não mais existirão. Troque as lâmpadas do banheiro, lave os pratos, suje os pratos, compre outro suco de laranja. Pode colorir as paredes frias com quadros de não sei quem. Pode mudar o guarda roupa. Pode levar embora o saco cheio de lixo. Faça o que quiser, contanto que venha aqui pertinho, e não saia mais. Habite.

Paz, à espera de você...

Sem nome

Ela é toda peito, pulso, ela inteira, o seu inferno, seu punho fechado. Ela é aguardente, mas desce doce, por dentro ainda chama baixinho, sussuro no ouvido. Ela pede que volte, mas volte logo. A madrugrada fria dissolve o nome, enquanto mantém o ar insolúvel do querer bem...

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Cenário

Faz tempo que não escrevo. Letras esgarçadas sob uma caneta dourada, assim, bonita. Quem vê até pensa. Presente de alguém que queria mostrar qualquer coisa de orgulho, talvez um pouco de amor. É o que eu tento pensar. Para falar a verdade, faz tempo que eu nem respiro.
O vento entra frio pela janela grande, traz o ruído dos veículos apressados, o pensamento da espera. Meu mundo gira em torno de uma mesa de madeira seca e clara, sem cheiro, sem vida, sem a menor ciência de si mesma. Somos eu e a madeira, gêmeas da mesma mãe. Agora aqui, natureza morta.
Faz tempo que não sorrio, que sou uma máquina registradora daquelas de supermercado. Alguém aperta o botão e eu sigo fazendo o que tenho que fazer, meu trabalho senso comum nessa vida (grande promissora vida...!). A obviedade toma minha boca, sai através das minhas frases sem poesia. Sem resquício do peito em chama. Sem nem tremor dos dias inseguros em que tudo era fonte de imensidão e alma. Resta eu, sóbria, na sombra.
A caneta repousa na mesa de madeira, ouve a minha respiração quase ausente, meu estômago dolorido do vazio, olhos doloridos do vazio. Toda a melancolia. A voz da música bonita toma o seu rumo, segue o canal pelos meus ouvidos tentando alcançar o coração acanhado- mas não há espaço suficiente para me deixar sentir. Deixo, então, que saia pela janela grande, levada pelo vento agora mais frio, ao encontro deserto da madrugada sem roupa no corpo.
Faz tempo que não me seguram a mão, daquele jeito para não soltar mais. Aperto entre os dedos a caneta dourada, repouso a cabeça na mesa de madeira clara, e misturo-me ao cenário estanque de vida sem arte. 
Lá dentro ainda arde. E dói.