sábado, 20 de abril de 2013

Diariamente

Tenho pegado leve, meditado, nascido com o sol. Tenho experimentado deixar que entrem as coisas simplesmente pelas portas estarem abertas, e não pela necessidade impositiva de entrar. Tenho escrito pouco. Talvez por medo do que há em mim - vai saber. Leio. Tomo sundae de café da manhã. Faço anotações não pertinentes num caderninho que eu batizei de viagem. Fotografo crianças.  Ando mastigando suavemente a calma das escolhas adiadas, da inércia de não tomar nenhuma brusca decisão. Nesse exato momento existe absolutamente tudo, o depois só virará agora daqui a pouco, e quando ele chegar, eu vivo. Não faz diferença ter pressa.  Tomo banho de mar, saio com cheiro de cura. Talvez um dia o sentido simplesmente aconteça, se faça presente sem nem notar, beije doce a minha nuca e vá com o vento devanear para além. Essa é a minha busca do diariamente. Enquanto isso, deito na areia branca, deixo o sol acarinhar minha pele salgada, e me permito apenas ser.  

Diariamente

Tenho pegado leve, meditado, nascido com o sol. Tenho experimentado deixar que entrem as coisas simplesmente pelas portas estarem abertas, e não pela necessidade impositiva de entrar. Tenho escrito pouco. Talvez por medo do que há em mim - vai saber. Leio. Tomo sundae de café da manhã. Faço anotações não pertinentes num caderninho que eu batizei de viagem. Fotografo crianças.  Ando mastigando suavemente a calma das escolhas adiadas, da inércia de não tomar nenhuma brusca decisão. Nesse exato momento existe absolutamente tudo, o depois só virará agora daqui a pouco, e quando ele chegar, eu vivo. Não faz diferença ter pressa.  Tomo banho de mar, saio com cheiro de cura. Talvez um dia o sentido simplesmente aconteça, se faça presente sem nem notar, beije doce a minha nuca e vá com o vento devanear para além. Essa é a minha busca do diariamente. Enquanto isso, deito na areia branca, deixo o sol acarinhar minha pele salgada, e me permito apenas ser.  

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Oh, sweetie.

Todas elas jovens, cabelos amarelo-claros, carnes duras, duríssimas, esbanjando o ar displicente dos "vinte só daqui a um ano". Despretenciosas em seus shortinhos jeans curtos demais, umas curvas que ainda não se sabem ser, camisetas com frases comuns, cores vibrantes, nenhum corte francês. Elas deitadas ao sol, implícita sabedoria da escolha de acordar e... "We'll see". O mundo inteiro nesse pedaço microscópico de tempo, as primeiras vezes definitivas que mudarão para sempre em cinco minutos. Ou talvez menos.
Elas e seus sotaques embriagados, sorrisos embriagados, corpos lúcidos ávidos por mais. O meio termo - meio Nabokov, meio Machado de Assis - nem tanto, nem tão pouco; um estilo, assim, mais para peculiar. Peles brancas bronzeadas, óculos escuros maiores que os olhos água do mar, até grandes demais, eu diria, mas que sustentam a teimosia em causar discretamente a necessidade de se virar para olhar novamente. Seguram garrafas com bebida de marca famosa descolada, mascam chicletes, compram chocolates de qualidade ruim. Gargalham ruidosamente, escandalosamente, e nem entendem ao certo o por quê - simplesmente esbanjam uma sensualidade doce, dessas que estampam outdoors com propaganda de pasta de dente.
 No fim, todos os nomes soam iguais, mas elas se preservam o direito de não conflituosamente fazerem parte da massa - essa massa seleta de pernas saltitantes em volta das pool tables, sob palquinhos de bandas tocando ao vivo um rock antigo da época em que nem tinham nascido, ao redor das piscinas turvas com gente demais. Coquetéis, conversinha mole, grande exercício intuitivo da ausência de regras e obrigações. Um infinito hall de possibilidades...
Quando amanhecer, ainda serão as mesmas, esperarão alguns outros anos, trocarão os shorts, as camisetas e a intuição. Olharão no espelho as tatuagens com marcas do tempo. Tomarão café da manhã pela manhã, farão invariavelmente escolhas, talvez casa, comida, crianças, banquinhos rústicos no jardim. Usarão protetor - fator no mínimo 30 - antes de irem ao supermercado. Ensinarão as regras, porque cultivarão o desejo genuíno de passar adiante. Elas, agora identificadas por nome e sobrenome, aprenderão a respeitar o tempo calmo das coisas conforme passa a vida, e sempre serão, em algum lugar de si mesmas, as sábias mocinhas deitadas ao sol...

sábado, 23 de março de 2013

Baby

Primeiro eu compro uma vitrola e acho um professor para tomar aulas de francês. Caminho meio sem rumo por uma avenida cheia de prédios, exagero nos cafezinhos que me permitem pequenas pausas, aquelas que a gente faz apenas para respirar e sentir. Assisto Tolstoi num fôlego só, fixo a atenção em um específico olhar. Escolho mil vinis, conto as novidades de ontem, tento segurar a mão. O sabor do gesto, o toque calmo quase sem tocar.
À noite eu desejo dormir e sonhar um sonho bom. Sou inteira trivialidades, um Manoel de Barros barroco, sutil nas desimportâncias, tipo as batatinhas roxas de uma poesia que mudou a minha vida.
A vida. O mar. O vai-e-vém.
Chego em casa e ela ainda tem cheiro de ontem, tiro os sapatos, ouço a mesma música repetidas vezes. Deixo tudo escuro, tenho saudade, chego a discar. Parece que me falta verbo. Há algo que não sabe sair, engasga, retorce, e fica. Por fim, descubro gostar da solidão...
De vendas nos olhos, aponto um lugar aleatório onde devo estar, entro na casa antiga com nome de flores, molho os pés com pingos leves da chuva forte. Aguardo a resposta de algo que precede à pergunta. Exercito parar. Silenciar. Ser, e não.
A vitrola, o francês, a escrita falha, um coquetel de auto revelações legitimando pequenas verdades sobre mim (verdades estas que para saber, basta olhar). No fundo eu aguardo o escancarar de uma vez só, o encontro de ouvidos gentis e dispostos, mãos, boca, ausência de  medo. Para que eu possa caminhar junto. Para que eu mande embora e deixe ficar.

Baby

Primeiro eu compro uma vitrola e acho um professor para tomar aulas de francês. Caminho meio sem rumo por uma avenida cheia de prédios, exagero nos cafezinhos que me permitem pequenas pausas, aquelas que a gente faz apenas para respirar e sentir. Assisto Tolstoi num fôlego só, fixo a atenção em um específico olhar. Escolho mil vinis, conto as novidades de ontem, tento segurar a mão. O sabor do gesto, o toque calmo quase sem tocar.
À noite eu desejo dormir e sonhar um sonho bom. Sou inteira trivialidades, um Manoel de Barros barroco, sutil nas desimportâncias, tipo as batatinhas roxas de uma poesia que mudou a minha vida.
A vida. O mar. O vai-e-vém.
Chego em casa e ela ainda tem cheiro de ontem, tiro os sapatos, ouço a mesma música repetidas vezes. Deixo tudo escuro, tenho saudade, chego a discar. Parece que me falta verbo. Há algo que não sabe sair, engasga, retorce, e fica. Por fim, descubro gostar da solidão...
De vendas nos olhos, aponto um lugar aleatório onde devo estar, entro na casa antiga com nome de flores, molho os pés com pingos leves da chuva forte. Aguardo a resposta de algo que precede à pergunta. Exercito parar. Silenciar. Ser, e não.
A vitrola, o francês, a escrita falha, um coquetel de auto revelações legitimando pequenas verdades sobre mim (verdades estas que para saber, basta olhar). No fundo eu aguardo o escancarar de uma vez só, o encontro de ouvidos gentis e dispostos, mãos, boca, ausência de  medo. Para que eu possa caminhar junto. Para que eu mande embora e deixe ficar.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Ao acaso

Eram eles, os dois, amantes de uma voz quase grave e uma voz quase doce, sorrateiramente dispostos ao convite da madrugada.
Aquela música pela noite, ela mesma repetidas vezes, meio triste, meio alegre, meio todas as coisas em uma só.
Eram novos, e velhos, e vivos e frágeis, e fortes de um jeito que nem se sabiam ser. Fizeram um pacto silencioso, cúmplice e desajeitado, abençoados pelas desculpas da escuridão. Sinal da cruz, cruzados dedos, viajaram desamedrontados à procura do tempo e de mais. Esse mais amorfo, perene no ar, cheio de significado - e só. Eram mil sentidos, nada submerso, cheiro vivo e flor da pele, flores à beira da estrada, onde pararam para fazer amor. A saia florida, e nela cabiam as pernas de gente, era toda ela gente sem tirar nem pôr. Ele de tênis amarelo, pretensioso rapaz com sonhos altos, barba por fazer, destino por fazer, toda a verdade sem nenhuma pressa em se realizar.
Eram, os dois, amantes da mentira de uma noite onde tudo era real. Poesia dialogada num convite para trinta anos depois, com filhos pelados correndo pro mar. Não haverá mar, nem criança, nem anos após - a não ser esses segundos restantes. Ela mora numa casa no alto, pequena e fechada,  um mapa na parede com todos os lugares do mundo em que precisa estar. Já ele mora numa casa no chão, escadas de vários degraus, madeira boa, discos clichês espalhados pela cama que dá vontade de dormir e acordar.
O mesmo batom dos lábios dela habita o pescoço dele, e os dois repetem a mesma cantoria melancólica do amanhecer. Viajam de volta nas horas deixando migalhas por todo o caminho a ser percorrido solitário num futuro distante onde não mais se saberá o sentido. O som daquele CD  de nome voraz. Tudo é voraz, até que a luz invada as retinas e sinalize que chegou ao fim. Pés descalços.  Saudade. Os dois, amantes da vida como ela é, deixam o resto inteiro ao acaso.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Senhora



Só.

Pessoas simplesmente tristes, aquelas que carregam a tristeza da vida, se reconhecem instantaneamente. E se atraem magneticamente pro mesmo centro comum, o que beira a compreensão mútua de algo que não se diz, não se explica. Com o tempo, a gente se convence de que as pessoas tristes gostam da solidão. Imprescindem dela. Padecem de um medo extrapolado de alguma coisa. Todas compartilham um medo secreto, cúmplices de algo que nao sabem ao certo o que é. Talvez, penso eu, seja medo da ignorância de estar feliz, esse fardo pesado demais, que extravasa da cobrança excessiva sobre si mesmo. Um narcísico boicote da própria lucidez.
Não há como dividir apenas por se estar disposto. Para dividir de fato é preciso saber fazê-lo, antes mesmo de querer. A gente se atrai pelo similar ao nosso escancarado no rosto do outro, a mesma possibilidade de amar o próprio erro, o próprio acerto, a ausência ou não de paz. Cada um tem o relacionamento que pode ter, diante de si mesmo. O outro é uma consequência.

Seguimos todos.

E só.