terça-feira, 29 de novembro de 2011

Libélula

Você, que nao quis dizer até logo, nao quer logo menos, nem quis dizer logo mais. Você, que achou que eu não merecia respostas, ou achou que eu não merecia simplesmente saber, só pelo gosto da dor que o não saber traz. O desprazer. O des-saber. O dissabor. 
Eu, que acordo atordoada com as possibilidades todas, e ao mesmo tempo nenhuma, que olho ao redor e procuro me distanciar do amargo da manhã, resquício do azedo de ontem à noite. Uma manhã que, como eu havia dividido com você, tinha feito promessas de me trazer o sol. E eu acreditei. Mas você não quis dizer, não quis ao menos saber. 
O meu apartamento, com suas paredes ocupadas com meus mil falsos encantos, minhas caligrafias rasgadas pelos cantos, minhas bijouterias antigas de quinta categoria. A minha fotografia descartável, se confundindo agora comigo mesma - eu mesma, descartável. O meu apartamento, que escancarou as portas com sorrisos nem sei de quê, deixou entrar pelas janelas um cheiro nem sei de quê, mas que você sabe. E não diz. Tem tanta culpa quanto eu, apesar deu me saber tendo mais. 

Sobra em mim um bicho, asas longas e vôo veloz, triste, que mora perto das águas. 

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Hopeless place



Depois da dor, vem uma música com batidas cheias de pulso e ritmo. Luzes, muitas luzes ao fundo, o manifesto do deixar-se ir. Eu, na minha pitada malagueta. Às vezes esqueço que ela existe, e quando reexperimento o seu sabor, arde. A vida se dá em momentos regados a uma bebida forte.
Cabelos soltos acompanhando o rodar das ideias, sangue das vísceras escorrendo na boca. Sede. Movimento nervoso, grito surdo, e frio. A Língua é deliciosa em horas como essa...
Tento compreender pensamentos hiperfuncionantes de um doce mistério. Faz todo o sentido, mas decifrar para além da conta faz perder o gosto. Quando há de haver necessidade? Quase pretenciosa, durmo ensopada de um sabonete que não sei o cheiro. É segredo.
Hoje acordo à convite do sonho, cansado de sonhar. Arrasto a barra no chão de uma saia cor abóbora, blusa cor abóbora também. Ney, fim da saudade, um pente pro cabelo e um pouco de sorte. A minha casa é pequena e não tem cara de madrugada.
We found love in a hopeless place.

ps- Ao som de.

domingo, 20 de novembro de 2011

Inacabado

Hoje alguém do meu passado reviveu, e trouxe o gosto de velhos hábitos. Entre oito e oitenta, sou mais para mais. Sempre fui. Estou naqueles dias em que nada serve, a música não encontra o volume certo, a camiseta apertada demais, o branco do vestido muito mais branco que quando escolhi, ontem. Vejo uma foto e outra, gosto, talvez. O tempo não passa, mas se passar, não tem o que responder. Agora deixo que me achem. Destino, é a sua vez.
Ao invés de crescer, fui encolhendo no meio do caminho. Nesse exato instante sou apenas uma anedota. Nem garbo, nem elegância, só um borrão para se ler entre um espirro e um assoar o nariz. Relembro incensos acesos molhados de vinho, dobraduras com frases minhas, noite inteira no sofá. Tudo longe, muito distante - outro continente. Suspirosa, percebo o quanto estou cansada de mim.
Se é para ter sentido, esqueceram de me avisar. Por enquanto, deixo em aberto. Inacabado.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Minha

De repente, sou uma moça. Sentada na sacada de um prédio velho, olhando para a rua sem nome. Gente sem nome que anda. Sentimento sem nome.
Ele fugiu com a Pagu, foi o que me disseram. O homem me encara sentado, com o seu barrigão gestante, criando a poesia. 
Estou agora no segundo moça, açúcar ou adoçante? Mal contei as gotas, mal chorei as lágrimas. Corre discreto um teco de sol, um esboço de riso à saia azul. A cadeira permite espreguiçar, e eu dou tempo ao pensamento. Não estou muito longe, mas chego a Marte, vagarosa... 
Eu gosto particularmente das pessoas, enquanto testo a acidez do café. Amarga estou eu, olhos sempre cheios, olhos tão vazios. Existe uma urgência no ar. Para lá, para nada. Na mesa ao lado, mãos, lápis, caderno, blusa branca. Nenhuma percepção. Só espero um soar, em vão. Tímida em meu desejo de esconder ainda mais, de escancarar em dividir. Não vou sair do lugar.
Corações partidos, partilho do medo de nunca mais ser. Uma trança num cabelo crespo que amarra os laços e custa mais que a intenção. Às vezes o melhor é calar. Sinto saudades de mim.
Minutos contados no relógio correm tempo nenhum. Quase tudo me faz chorar, o rosto bonito de uma velha cheia de cabelos brancos, com o lenço dourado agarrado ao pescoço. A evitação e a vontade. O pedaço da canção que fala a verdade. A escada. 
Se pudesse, marcaria com grifos rosa choque quase todas as linhas desse livro de sebo. Todos os fatos da vida são muito curtos. Um piscar e já virararam luz.
A terceira moça não sou eu. Estendida sobre a cama, sonhos esgarçados e espera. Miragem...
Açúcar ou adoçante? Nem uma coisa nem outra. Sem nada.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Três

Nem todos os dias são de ganhar, nem todos os dias são de perder. Encosto-me na cabeceira, frouxa dos pensamentos que se esvaem pelo vão entre a dor e o resto. Entro hoje num trem para lugar nenhum. Essa é a minha nova invenção, um trem que só vai, que não chega nunca. Aprendi a pilotar um trem. Sem temer. Sem abrir os olhos ou colocar as mãos. Pus um chapéu azul, distintivo no peito, e parti.
Foi grande a minha coragem, a minha picaretagem, o meu dançar bailarina - ponta dos pés , panturrilhas rígidas, bunda pra dentro, peito pra fora! ...E um, e dois, e três, e um! Infinito. Leveza é mera ilusão. Entro agora na minha geringonça atrapalhando até os passos. De pliés, passés e pointé, sobra só o tropeço. Engatinho. Não sei mais andar. Para trás das cortinas, é tudo escuro e frio.
Quem sabe hoje é o meu dia de sorte. Foi numa jogada de pôquer que barganhei as passagens.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Delicada.

Mistura boa essa, cds, cerveja e pingos de chuva. Não há começo. É bom o suspiro do renascer. Minhas mãos inquietas escrevem uma verdade, dentre as tantas outras que não deveriam ser ditas. Eu digo mesmo assim. Com os olhos. Se houvesse um batom vermelho na boca, deixaria uma marca, e morderia em seguida apenas para me certificar.
Vivo hoje um pedaço de música, a promessa pintada do me-deliciar. Nunca é demais. Eu, pretenciosa num perfume quase mel, me deixo escorrer, lambuzada com o tempo, tomada inteira de saudade. Dama do fim de tarde, dama da noite. Numa rua que não tem fim, em cada canto uma meia luz, encontro brotando do chão bruto, definitivamente, mil e duas flores. Se pudesse, levaria uma para o quarto de casa.
Paris há de existir pra sempre, e nela cabem horas apenas felizes, histórias contadas por alguém numa casa de vidro. Uma casa aqui, com gente dentro - e vida. Um gordo. Um quadro. E eu, entrando pela porta do lado, sem nem bater.
Cabe em mim, nesse exato instante, agora, recordações delicadas, sutil indecência Beauvoir...

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Lírios.

Agora eu sei que comida japonesa dá a sensação de se ter um peixe vivo dentro da boca. Que mãos pequenas e delicadas sabem segurar de um jeito forte, enlouquecedor. Que além dos baianos, muita gente gosta de comida com pimenta e dendê. Menos pimenta, mais dendê. Que um perfume pode ser tão sedutor quanto um olhar. Agora eu sei que mesmo numa cama muito grande, mantenho-me encolhidinha de um lado só. Que uma luz vermelha num rosto misterioso faz perder todos os sentidos. Que beijos no carro são transgressões justas quando se tem ansiedade. Que meus olhos apaixonados enxergam apenas os lírios. Que estereótipos servem para afastar as pessoas, e que conhecê-las faz com que não se queira ir embora. Agora eu sei o que é ir embora sem querer.
Agora eu sei que ir ao mercado comprar Nescau é algo de que terei saudade. Que camisetas com laços servem meninas de mais de 20 anos. Que uma foto vale mais que todas as palavras. Que sofrer por amor vale. A rotina vale. A partida vale. Agora eu sei que cafés de Domingo lendo jornal nunca serão o que eu gostaria que fossem... Mas também sei que sempre terei o gosto daquela cerveja na garrafa, e da sensação que veio com ela. Que é possível se arrumar em 15 minutos e estar impecável, e que é possível simplesmente não acreditar que está ali, ao lado.
Agora eu sei que impulsos fazem correr ruas escuras na madrugada. E entrar sem pedir licença. Que sanduíches aparentemente grandes demais têm o tamanho certo para uma tarde sem fim. Que canetas nunca são apenas canetas, e por aí vai. Agora eu sei que correr uma maratona é um sonho grande o suficiente, e que alguns gestos simplesmente não podem ser agradecidos nunca na vida. Que choro no corredor não é sinal de fraqueza, especialmente quando há alguém do outro lado com quem se pode ser honesto. Agora eu sei, e guardo pra sempre,os corações ao alto...
Agora eu sei tudo o que pode acontecer num apartamento gigante. E tudo que deixou de acontecer. E tudo que ainda penso que aconteça. Sei de livros com rabiscos discretos, sublinhados vermelhos, dedicatórias pequenas, dedicatórias extensas. De uma mão dentro da outra. Agora eu sei que depois de um dia vem o seguinte, e com ele vem a espera por algo que não vem.
Agora eu sei que minhas palavras são pequenas demais, que eu sou pequena demais, mas que me torno um elefante diante de algo que me faz sentir. Sei que o meu peito vai encontrar paz, assim que encontrar resiliência e entendimento - e sei que isso pode nunca acontecer. Mas sei também que viver intensamente me faz experimentar um campo de lírios perfumados a cada encontro, esse sonho bom do qual não quero acordar.