sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Divã 1/2

Não, não, não. Eu tento manter minha posição, manter uma pose. Tento te convencer de que estou certa, que sua teimosia coloca a gente num abismo. Bato o pé, viro as costas. Choro. Elaboro. Isso tudo pra mim é uma grande desculpa.
Será que é mesmo tão difícil? A verdade é que eu mesma odeio enxergar, odeio sentir um impulso maior do que o meu direito de pedir. Eu queria só pra mim, mais até do que ter inteiro. Não me bastaria só ter inteiro. Eu queria tudo e ainda mais, queria o meu desejo irracional de não dividir. Porque cada vez que via sorrindo um riso que não era meu, sentia mais longe de mim.
Louca.
Depois dessa confissão, preciso dizer, a loucura se esvaiu. Um suspiro aliviado, por favor. É, eu sei, a gente aprende a controlar nossos impulsos ridículos de agressividade. E aceita que pra ser normal precisa concordar com os limites sociais das relações. A arte da sutileza – fazer comentários simpáticos sobre alguém, dizer que sentiu muito não ter estado presente naquela ocasião. Um blá blá blá mentiroso, quando a verdade é bem mais feia. Problema de cada um – todo mundo é, e não se fala mais nisso.
...Nossa, como eu tou mal-humorada hoje!

domingo, 6 de dezembro de 2009

Vermelho



Vermelho cor de sangue, cor de rosa, cor de língua. Vermelho de sapato, de telhado, de maçã envenenada. Vermelho batom. Vermelho da camiseta da farda de trabalho, da lingerie sensual da vizinha, da parede do quarto de motel. Vermelho lápis de colorir e molho de macarrão. Vermelho lataria do carro velho, vermelho do ônibus pro outro lado da cidade, vermelho da Fórmula 1. Vermelho do esmalte descascando no dedão do pé. Rio Vermelho. Barão Vermelho. Chapeuzinho Vermelho. Boi Garantido, Parintins. Vermelho cereja em cima do bolo de chocolate, no cetim do gorro do Papai Noel. Mar vermelho, valete copeta, dama de ouro. Vermelho agridoce. Vermelho pigmento, corante, solvente, luz primária. Mucosa. Vermelho jambo, claro, fosco, pálido, encorpado, escuro, amplo, fechado, vermelho e ponto final. Cor de fogo e cor que queima. Tapete vermelho, paladar. Vermelho do vidro, do granito, do picho, do patuá. Vermelho do lencinho perfumado da vovó, da cortina florida da varanda, do sorvete de frutas vermelhas. Vermelho Bolchevista. Vermelho do laço, do cadarço, da bochecha no embaraço. Vermelho na bandeira do Japão, no Manchester e no Inter, na taca bem servida do Manhattan. Vermelho na capa do livro da luxúria. Amarrado na cintura no San Fermín. Na estola do padre na Quaresma. Vermelho marcando a pele do pescoço, marcando o arranhão da unha no outro, marcando o rubor da exaustão. Vermelho em pontinhos múltiplos no corpo inteiro do moleque, na nota ruim no boletim. Vermelho gourmet. Vermelho morango, rubi, framboesa, e também coração. Infravermelho. Olhos e beijos. No céu soturno, crepúsculo. Na discromopsia, tom de verde. No dia-a-dia, tomate. Rouge, red, rot, rojo. VErmell. Cinta liga. Vermelho de alerta, de sinal fechado, de parar, proibido parar. Vermelho aquarela, hidrocor, tinta na tela, música da Mata. Vermelho paixão, emoção, explosão, irritação. Vermelho vestido de festa, saia garança, boina francesa. Víscera. Pimenta. Pôr do sol. Languidez. Catchup. Vermelho de metila, de esclera, de espinha e queimadura no fogão. Vermelho veludo. Joaninha. Embrulho pra presente. Vermelho cranberry, Campari e chá pra emagrecer. Vermelho carne, vermelho desejo. Vermelho cor de sangue, cor de gente, cor de vida.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Nessa noite

O tom parece definitivo, como uma sentença da qual não posso fugir. Nessas horas o passado me invade como um punhal, e eu sinto rasgar fundo, tão fundo que me faz entorpecer. Desisto de lutar e me deixo sentir. Há mais por trás do que eu acreditava existir, e agora tudo borbulha na superfície. Minhas mãos estão fracas e eu descubro ter ossos de vidro. Tudo quebra num piscar de olhos, meus ossos quebram, a mentira que eu me inventei quebra, o ar indiferente se estilhaça em mil pedaços no chão. Algo me toma sem me dar escolha, sem pedir licença, e por fim, o meu estômago dói e o meu corpo está em chamas. A fadiga é insuportável, mas eu estou cansada mesmo é de não encarar. A verdade é posta, e eu tenho fome. A verdade é farta, por mais que eu tenha medo. O prato está à mesa e com ele, o convite à vida.
(...Mas ainda assim, aqui no 15º andar não há paredes, e eu não alcanço as mãos.)
Quando todas as luzes se apagam, tenho a sensação de que o mundo dorme, de que tudo finalmente acabou. Será que eu vou ter paz? Abro os braços e fecho os olhos, deixando o vento sentir minha pele. Nessa hora, eu faço meus pedidos. Alguém me disse que de ossos de vidro brotavam asas.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Enquanto andava na rua

Enquanto andava na rua, tinha a certeza dos sentimentos da rotina (esses que todo mundo já conhece). De repente, meus lábios arquearam para cima, ensaiando um riso involuntário. Abaixei a cabeça, fingi uma falsa concentração e apertei o passo, como se com vergonha daquela descaração inapropriada e sem sentido que acabara de me tomar. Onde já se viu, sair sorrindo por aí sem sequer saber o motivo! Coisa de gente doida, com um parafuso a menos, gente que não regula bem da cabeça. Definitivamente, eu não estava normal. Fui pega desprevenida, como se um vento tivesse passado e levantado a minha saia bem em frente à obra da esquina. Raio de sensação mais esquisita, vontade de abrir um sorriso no meio do dia, sem no mínimo uma explicação... Quem foi que disse que se pode sorrir assim?

... Mas, mudando de assunto, o que é mesmo felicidade?

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

“...Serais ce possible alors ?...”


Sinto um cheiro de saudade. Saudade daquilo que não foi, daquilo que não pôde ter sido. O tempo é um moinho d’água, e carrega todas as coisas consigo, assim como o vento leva e traz sementes de girassol antes do começo da primavera. Ele, o tempo, muda tudo, nos faz existir além da nossa vontade, e entre trapaças e surpresas, descubro que não estou imune. Sinto hoje um desejo de retirar certos nãos - mais que isso, sinto vontade de ter me deixado ir. Melancolia. Decisões nunca são fáceis, mas tenho descoberto que mais difícil que tomar decisões é assumí-las depois. Vivenciá-las. Eu não paguei pra ver e hoje os meus olhos reclamam. Sentem falta de terem tido qualquer pingo de nada. De terem simplesmente visto, sem nenhuma outra exigência. Sinto uma saudade que corroi e que pesa uma tonelada no peito.
Havia uma roda-gigante, mas decidi ficar embaixo e então ela se foi, girar sem mim. Agora olho tudo com esses tais olhos de saudade. Logo eu, que tinha certeza dos meus passos certos no chão, da minha indiferença por esse joguinho que me parecia monótono demais. Hoje eu ensaio um pedido, e por trás dele há uma falta quase vital de estar em meio à roda-gigante, de enxergar o mundo daquele jeito de lá. De mãos dadas, talvez.
Enquanto penso tudo isso, lembro do dia em que aprendi a ver através de uma lente, e nesse dia, o céu tinha diversas cores. Mas a luz, talvez por estar óbvia demais, extraordinária demais, não me deixou perceber. Eu vivi o vento no rosto, o sorriso tímido, os prazeres mínimos e completos, mas não segurei a mão estendida. Um não, outro não. Por quê?, me pergunto agora. Por quê, se hoje eu quero tanto estar lá?
Numa noite cheia de estrelas, decido que é a hora. Me encho de umas palavras poucas, num tom ainda envergonhado, assumindo uma meia coragem, mas dessa vez cheia do sim. "Vou me jogar"! Sorrio nervosa, espero a roda parar, um convite para subir, um convite para ficar de vez. Silêncio. Duas voltas depois, silêncio. Cinco, vinte e cinco, cinqüenta voltas depois, silêncio. Sento sobre os meus pés, agora inúteis para mim, e sussurro baixinho uma música francesa. A roda não pára e eu estou fora dela, com saudades. O tempo passa, cumprindo a sua sina. E então escurece, dessa vez sem estrelas.

“...Pourtant quelqu'un m'a dit que tu m'aimais encore...”

sábado, 7 de novembro de 2009

café

Tarde longa e sem pressa. Num café, aquele aconchegante no fim da avenida grande, onde os carros desaceleram relutantes decidindo para que lado ir. Entro, deixando as coisas que são de fora para fora. Escolho a mesinha ao fundo, aquela mais escondidinha, que tem um par de cadeiras acolchoadas. O lugar não é nada pretensioso, nem a minha intenção ali. Gosto particularmente da iluminação meio preguiçosa, do ar mareado, do jeito discretamente despreocupado do avental do garçom. Gosto da caneta atrás da orelha, que toca - quase toca – o seu sorriso largo. Gosto de estar solta, de me sentir leve e ter todas as dúvidas. Mas o pedido é o mesmo, o mais simples de todos, aquele de sempre: café. Puro. E quente, pra que se esfrie. Quanto mais frio, sinal de que não vi o tempo passar.
De costas para o cartaz que parece ter cheiro, observo calmamente o movimento das pessoas. Gente anônima, nem mais nem menos extraordinária. Gente, com toda a imensidão explicitamente contida que há de haver nelas. Eu finjo não ver, mas olho, quase que atentamente. Não é bisbilhotagem barata, devo dizer – é interesse! Como um magnetismo sutil, que me faz, de tempos em tempos, examinar tudo ao redor. Há um quê de poesia no jeito como o mundo se arruma, no jeito como as pessoas escolhem transitar nele – e dar dois beijinhos no rosto, inclinar a cabeça para trás ao rir exageradamente, olhar o relógio repetidas vezes, pingar uma gota de café na gravata azul. O cotidiano é surpreendentemente mais incrível quando a gente decide se interessar por ele.
O café chega, numa xícara branca que o faz parecer mais preto ainda. Preto e forte. Mas depois do aroma bom, o que sinto mesmo é um calor lancinante por dentro de mim. E o fogo desce fazendo um trajeto longo, me fazendo checar involuntariamente qualquer indício de ventilação por perto, me tomando por inteira e acabando num suor frio. Arranco o lenço do pescoço. Uma vez um amigo meu me perguntou o que eu achava de café – e eu respondi: “café é forte e vicia”. Segundo ele, descobri minutos depois, o que a pessoa pensa sobre café representa o que ela pensa sobre sexo. (E nesse momento, eu me vi em reticências.)
Deixo o café na mesa e me viro para pegar o diário na bolsa. Decido aproveitar a desculpa de ter de me mexer na cadeira para fotografar o ambiente mais uma vez. É uma espécie de espionagem, eu sei, mas não consigo evitar. Me dou pouquíssimas chances de estar apenas como expectadora. Sendo assim, ter a oportunidade de simplesmente ver a vida é como uma proposta indecentemente encantadora. Então eu vejo. Na mesa ao lado, uma moça com jeans usados e cabelos vermelhos bem curtos– sozinha também. Uma camiseta branca com o símbolo dos Rolling Stones – será que ela canta? Ou toca guitarra? Ou estuda cinema? Ou espirra muitas vezes ao dia? Ela tem um gato. Quer dizer, ela parece ter um gato. E acho que ela tem um gato de nome Joey.
Dali mais adiante tem uma portinha daquelas de bar de filme faroeste, e a supor pelos bonequinhos (de saia e de calça) desenhados nas laterais, percebo que ali é o banheiro. Mulheres costumam demorar mais tempo para sair, mas elas parecem mais familiarizadas com o ritual de ir a banheiros públicos (retocar a maquiagem, olhar no espelho, lavar as mãos, acompanhar a amiga. Às vezes, fazer xixi – e só.) Da tal portinha sai agora uma mulher elegantérrima. O batom, tom rosa claro, definitivamente acabou de ser colocado. Ela anda num salto que me faz perder o equilíbrio só de me imaginar em cima dele. E se chama Soraia. Não, talvez Simone ou Bárbara. Pode ser Bárbara realmente. Ela senta numa mesa que tem um moço esperando. Ele, já era de se esperar, tem um sorriso satisfeito no rosto.
Agora tomo um outro gole do café, bem mais frio que antes. O garçom me pergunta se eu quero mais alguma coisa, de um jeito tão simpático que eu fico me perguntando se aquilo foi uma gentileza ou apenas o trabalho dele. Prefiro achar que foi um misto dos dois, assim ele não fica com uma imagem de funcionário desleixado nem de empregado-robô. Eu não quero nada, mas agradeço pela atenção. Ao sair da minha, ele vai para uma mesa com três homens inseridos em ternos de diferentes tons de cinza, que falam alto, excitados com alguma coisa – um contrato, talvez. Ou só o jogo de futebol. Anota os pedidos, que eu não consegui ouvir, põe a caneta atrás da orelha e segue do seu jeito, quase alegre. Bom seria se todo mundo trabalhasse assim.
Fico mais, escrevo no diário, relembro coisas, observo as diferentes gentes que entram e saem, sem parar. Sorrio para mim mesma. Penso, penso, penso, até estar cansada. Um cansaço gostoso e doce... A tarde está indo embora e eu decido que devo ir também. Pago a conta, saio na rua, veja a avenida grande e, por fim, tenho que decidir. E pela direita eu vou.

domingo, 11 de outubro de 2009

Des, in e prefixos mais.

Desajustada, deselegante, despropositada, e um monte de outros dês. O que dei mesmo foi muito azar. Pessimismos à parte, há um quê de inexplicável nessa coisa melancólica que me faz sentir desse jeito, de tempos em tempos. É como se a roupa estivesse larga demais e as meias não coubessem nos pés. Tudo muito sutil, devo dizer – começa com um estranhamento ao voltar pra cama depois de levantar pra buscar água, e cresce a ponto de se tornar uma torneira que não cessa mais, incurável. Odeio auto-piedade, mas o excessivo controle não me faz nada bem. Tenho que admitir: estou em vigília, estou alerta, os carneirinhos a mais de mil. Suspiro fundo, tão fundo a ponto de cansar até da respiração. Me peço mais paciência, ao som daquela velha música, numa tentativa frustrada de não desabar - mas o abismo chama, e para ele basta um quarto de passo. A verdade é mais crua do que eu gostaria pensar, e eu estou inapetente.
Ontem mesmo, quando assistia a um filme de amor, resolvi acreditar em tudo outra vez - luvas e meias perfeitas, assim como todos os outros pares que a vida se propõe a trazer. Mas percebi que me dou melhor com singular - uma escova de dentes; um livro ao lado do travesseiro único na cama; um ticket pro cinema; uma única xícara de café. Não me incomodo com isso, mas como eu havia dito, de tempos em tempos, me percebo querendo um a mais. Ou não sei o quê. Chuva, rotina e solidão têm sua cota (limitada) de prazer. Depois, fica chato - e pouco.
Pois bem. Ainda assim, o que me preocupa de fato é o fato deu ser hipervigilante, beirando a neurose. Entre ser maravilhosamente suficiente e estar imersa no caos, me dou uns 5 minutos! Cíclica, imprevisível e oscilante, se posso assim dizer. Sou incoerente, inconstante e incompreensível - como prova de que dos "des" e dos "in" eu não me salvo. É essa instabilidade que me mata! Na maioria das vezes eu sou oito ou oitenta milhões - e o equilíbrio é uma linha pela qual eu passo reto. Meus sentimentos me tomam sem aviso prévio, e pra me prevenir, eu decido montar uma caverna quentinha, debaixo de um cobertor quentinho, numa cama farta que não me cobra nada - cômodo demais. O enfrentamento é que dói. Ele e a exposição. E sendo assim, eu alimento essa coisa toda melancólica que me trouxe até aqui.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Rotina

....Tic-tac, tic-tac, tic-tac, som vazio na escuridão. Tic-tac, ritmado, tic-tac, sem parar, tic-tac, tic-tac... Trim-trim! Um som alto! Trim-trim, um som novo, trim-trim , prolongado, trim-trim, insuportável, aperta o botão, travesseiro no rosto, travesseiro voando, e o trim-trim não pára. Dois minutos, mais cinco minutos, mais meia-hora, ok, pé no chão frio. Estica um braço, abre a boca, estica outro braço, resmunga para si mesma. Chuveiro quente, mais dois minutos, mais cinco minutos, a conta de luz. Tic-tac, está atrasada, espelho borrado, maquiagem borrada, sapato jogado no meio da sala, tropeção. Tic-tac, tic-tac, tic-tac, já entendeu!! Pó de café, mais água quente, caixa do filtro vazia, esqueceu de comprar. Abre o armário, um casaco mais quente, pega a bolsa, troca a bolsa, "preciso comprar uma bolsa nova", acaba saindo com a mesma de sempre. Tic-tac, o elevador não chega, "Bom dia", outro "Bom dia", "Bom dia, desculpa o atraso". Entra na sala, senta na frente, a cadeira quebrada, troca o lugar, abre o caderno, e não ouve mais tic-tac, só uma voz lá longe. Pisca um olho, escreve um bilhete, recebe um bilhete, e tenta não rir. A luz apagada. A luz azul projetando letrinhas numa parede. Que assunto mesmo? Aperta o olho e tenta concentrar. Caneta azul, caneta vermelha, caneta preta e lápis com uma borracha em forma de coração. Escreve um título com uma observação "xerocar o início depois". Copia as letrinhas, faz cara de conteúdo, pousa o lápis na boca, pensa no que tem que fazer. Ouve uma pergunta, percebe que o homem em pé está olhando, pede pra repetir a pergunta, enrola uma explicação. As letrinhas somem, a luz acende, cinco minutos. Não, não, quinze, por favor. Quinze minutos, banheiro, xicrinha minúscula de café que custa o mesmo tanto que 100 filtros de papel. Tic-tac, tem que voltar, abre o caderno, escreve outro título, desenha uma nuvem em volta do título, "que data é hoje mesmo?". Mais letrinhas. O som da voz perto, vinte minutos, o som da voz longe, mais vinte minutos, o som da barriga roncando, mais vinte minutos, "até a tarde!". Tic-tac, salada, feijão, arroz, pouco, porque está de dieta. Tic-tac, tem que ir, compromisso. Encontra pessoas, conta uma besteira, ri de si mesma, presta atenção. Tic-tac, sai de um lugar, atravessa a rua, no meio da rua encontra alguém. Que saudade, que tem feito, me liga qualquer dia desses, temos que nos ver. Beijo. No rosto. Tic-tac, continua andando, esqueceu de passar no banco, a fila tá grande, decide que odeia bancos a partir de hoje. Tic-tac, chuva. Tic-tac, corre na chuva. Tic-tac, chega enxarcada no hospital. Jaleco branco, anamnese, em dez minutos. Tic-tac, qual o nome do senhor, tic-tac, o que te trouxe aqui, tic-tac, mas a dor era em pontada ou em aperto, tic tac, e tem algum caso na família, tic-tac, fala trinta e três. O professor aparece, já tou acabando, aquela cara de impaciência. Sorriso pro paciente, sensação de empatia, "volto daqui a pouco", ele não tem culpa do profesor ser chato. Passa o caso, fica feliz por pensar em alguma coisa que faça sentido, se empolga, pensa outra coisa que não tem nada a ver. Não tem problema. Abre o caderno, faz novo título, anota com nova observação: "Estudar isso". Aperta a mão do paciente, deseja boa sorte, deseja ficar mais. Tic-tac, a outra aula é naquele outro prédio, tem que ir já. Tic-tac, o professor não chega, tic-tac, alguém fala do programa da Luciana Gimenez, tic-tac, o cara da novela é sexy, tic-tac, lembram do professor. Muda de prédio, professor esperando, senta rápido, abre o caderno, droga, ficou sem saber o final da novela. Aula engraçada, uma risada, outra risada, fecha o caderno. Finalmente. "Até amanhã", sai correndo, não fala mais da novela, não fala mais com ninguém, todo mundo já foi. Tem atividade extra? Tem atendimento? Tem outra aula? Tem terapia? Tem reunião? Tem cansaço. Tic-tac, chegar logo em casa e tirar os sapatos. Tic-tac, banca de revistas, uma fofoca, outra fofoca, tudo caro demais. Tic-tac, porta do prédio, elevador não chega, vizinho charmoso, previsão do tempo - "chuva amanhã?". Tic-tac, não acha a chave na bolsa, precisa usar o banheiro. Tic-tac, pensa que deveria ter trocado de bolsa. Tic-tac, tudo se perde nessa bolsa, tic-tac, cadê a droga da chave, tic-tac, vou acabar fazendo aqui mesmo. Tic-tac, abre a porta, de luz apagada, sai correndo, vem fechar só depois. Tic-tac, telefone no silencioso. Liga o computador, liga a Tv, liga pra pizzaria. Sim, sim, uma grande, metade siciliano, metade brigadeiro. Troco pra 20,00. Vinte e cinco minutos? Brigada, boa noite, tchau. Senta no sofá, joga o caderno longe. Pega o controle, notícia de morte, notícia de assalto, desenho animado. Top 10 músicas, casos de família, curiosidades do peixe-boi, alguém falando da situação precária em que vivemos no Brasil. Abre a internet, lê um email, marca como não-lido, "respondo depois". Abre a página de relacionametos, fuxica a vida dos outros, vê umas fotos, perde a paciência. Liga pra casa, fala do banco, está com saudades, diz que vai estudar. Vê a novela. Reza pra novela não acabar. Acabou a novela, abre o caderno, fecha o caderno, fica pra amanhã. Põe uma música, liga pra alguém, decide contar que descobriu que fulano está namorando. Dá risada, dá boa noite, tic-tac, tem que dormir. Tic-tac, tá sem sono. Tic-tac, ficando com fome. Tic-tac, deveria estudar. Tic-tac, computador, de novo. Tic-tac, se não dormir agora, não acorda amanhã. Tic-tac, banho. Tic-tac, pilha de pratos. Tic-tac, esquece a pilha de pratos. Tic-tac, livro na cama. Tic-tac, tá ficando longe... Tic-tac, tic-tac, tic-tac... E tudo outra vez.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Como um copo

A gente se enche da vida, dos dias, das coisas, das mesmas coisas, das coisas novas. A gente se enche dos amores todos, da raivinha basal que brota das manhãs cinzas, do orgasmo da noite anterior que não durou pra sempre, da maquiagem forte que esconde um traço mais humano. A gente se enche, e está tão cheio que não consegue mais parar.
A gente se esvazia, e se esvazia das lágrimas de dor, de parto, de alegria, de pena, de solidão. A gente se esvazia de tempo - do tempo pra amar, pra gritar, pra ligar prum amigo, pra correr no parque, ou na chuva ou no quadradinho do elevador. A gente se esvazia da gente, e está tão vazio que não consegue mais ser.
...

Mas, a qualquer distância - e a qualquer momento- o coração batendo percebe (metade cheio, metade vazio) uma cor, um som, uma luz, um perfume, algo qualquer no horizonte, uma verdade intrigante, um sorriso, um anel, uma borboleta, um pedido, uma outra vida.
E a gente se enche ainda mais.

A gente se enche de todos os clichês sem se importar, se enche de areia nos pés descalços, de uma bebida mais doce numa tarde mais dura, de uns planos ridículos, de cartas diárias de amor com rabiscos no canto direito do papel rosa. Se enche de espaço na cama, no sofá, no chuveiro, na mesinha de centro onde se toma o café da manhã. E estar tão cheio ainda é pouco!
A gente se esvazia do excessivo controle, do estacionamento que custa R$20,00 a hora, da obsessão pelo primeiro milhão. Se esvazia da discussão que subtrai, do pensamento que afoga mais, do detalhe irritante que não costumava sair da cabeça - "tem que ser azul-gourmet, não pode ser azul-marinho". A gente se esvazia até das meias verdades, e estar vazio é uma satisfação inteira.

No fim das contas, a balança não pesa tanto assim, nem ela, nem a vida. O peso todo é nosso, mais do que de qualquer outro. Estar cheio ou vazio não é uma opção, e mesmo que fosse, não faria nenhuma diferença. É tudo uma questão de estar disponível para si mesmo, colocando dali, tirando daqui, preenchendo de lá.
E a medida certa? Um coração atento...

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Tempo



De madrugada tudo é mais silencioso, e a imensidão escura me invade de um jeito ensurdecedor. Ponho uma música que costumava escutar quando esse ainda era meu lugar, e ela me faz desejar. Aproveitando que estou aqui, onde todas as lembranças brincam com meus sentimentos, resolvo subir numa cadeira e me arriscar no mundo que ficou no fundo do armário, numa caixinha de sapatos decorada com recortes de revista. Acho um caderno de folhas salmão, e dentro dele estou eu.
Tenho percebido ultimamente que todas as sensações novas e inominadas que experimento me apertam o peito de um jeito forte. Foi o que senti, um apertão no peito, e é como se ele me levasse todas as palavras. Sou tão assustadoramente parecida com quem eu costumava ser que tenho até medo. A mesma atitude. Os mesmos anseios. O mesmo jeito de sonhar. Travo um dialogo com o meu espelho de anos atrás, e descubro que a menina que existia antes está bem aqui, desejando na mesma intensidade ser feliz.
Eu costumava achar que liberdade se resumia simplesmente ao poder de ir e vir, e tendo a possibilidade em minhas mãos, tudo seria mais fácil. Esse foi um doce engano. Liberdade, acabei percebendo, está mais dentro do que fora, como a maioria das coisas contra as quais eu venho lutando. O maior monstro definitivamente mora num lugar bem mais perto, e o grito de reprovação é mais sutil do que eu imaginava. Preciso de mim antes de qualquer coisa, e depender só disso é uma tarefa das mais difíceis – principalmente para alguém que não costuma se olhar com tanta cautela. Continuo chorona. Continuo meio mal-humorada ao acordar depois de dormir muito. Continuo escrevendo ao som de música, uma mesma música que toca repetidamente mil vezes. Continuo roendo as unhas e adormecendo no sofá de casa, com cobertor quentinho e ventilador ligado. Minha letra, porém, está um pouco diferente (e me disseram uma vez que a letra muda mesmo com o tempo). Outras coisas mais mudam com o tempo, e o tempo, no fim das contas, foi generoso comigo...
O tempo me deu amigos sem os quais eu não viveria mais, me deu um dia em que tive o mundo nas mãos, me deu uma noite inesquecível. Me deu a festa de cinqüenta anos do meu pai, a filhinha de uma amiga que nasceu, a celebraçao do amor de um casal que eu adoro – em estilo frances! Me deu um fim-de-semana frio em que eu não precisei sair de casa, uma tarde em que cozinhei quiche e deixei a massa queimar, uma notícia que me fez pular de alegria. Me deu madrugadas e devaneios. Me deu horas a fio sem parar de dançar. Me deu momentos de frio na barriga, e mais que isso, me deu apertos mil no peito. O tempo – e eu diria, a vida – me deu vontade de mais, me deu vontade de mim!
Amanhece exatamente agora. Fecho o caderno, abro a janela. (...) Um algo novo me espera. Deixo todo o resto pra depois.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Plena

Eu ia explodir, mas perdi o controle e agora me sinto em paz. Não quero nada que faz doer, me nego a encontrar a dor. Há um tempo, quando ainda me invadia uma coisa qualquer, eu cheguei até a pensar que, uma vez sem ela, me pegaria vazia. Segui, mas segui cheia de nada, e esse nada sufocava meu ar. Sem palavras doces. Sem colorido vivo. Sem gosto e nem vontade. Mas hoje, com pés descalços e sem planejar, descobri o riso e gostei demasiadamente dele. Hoje quero a poesia, uns quadros sem traços muito certos, duas taças do tinto mais suave e um relógio que parou sem que se notasse... Assim estou plena, sem precisar explodir.
Havia uma menina e ela tinha brilho nos olhos, uns cachos exagerados que voavam ao vento, uma flor pregada ao vestido roxo, e transbordava a alma. Procuro aqueles olhos, mas sei que eles dormem um sono quase bom (não fosse a gritaria ao lado). Quis adormecer também, e tive insônia... Eu a vi num divã. Desses dias não há como fugir.
Mesmo com toda a emoção, ainda tenho uma coisa a decidir, e todas as outras mil. Uma listinha num papel amassado, a caneta caída ao lado, o travesseiro e o desejo de não sair. No topo de tudo (no topo do mundo), a vontade maior: ser humana! E vivenciar clandestinamente as coisas não postas, o não explicito, o não nato, o avesso, o contrário. Com sapatilhas que voam. As luzes atrás me dizem sim, e encontro a mim mesma nesse momento exato, quase eterno. Está em mim. Eu me desmancho inteira, porque aqui não preciso de defesas... Tudo é contemplação.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

5 minutos

A sensação do afogamento me parece insuportável. Não sei se pela água em si invadindo os pulmões, mas talvez mais pelo fim anunciado aos poucos, silenciosamente no desespero do último suspiro. Ar nao deveria custar tão caro. Me pego às vezes sem ar, precisando de uns cinco minutos. Não é nada deseperador exatamente, mas há um borrão em tudo que eu desconfio sentir. A verdade é que me sinto precisando respirar. Ou gritar. Tenho esse afogamento súbito em mim mesma, e me curo ao satisfazer minha necessidade de parar - parar, puxar calmamente o ar, e depois voltar à superfície, à respiracao involuntária.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Nao sei nem por onde comecar. Tudo é grande, é imenso, dez mil vezes maior que eu. Meu coracao bate daquele jeito, pra me contar que tem algo que o faz pulsar. Ta apertado. Cada segundo, o mesmo pedido - e eu nao me canso de pedir. O que se faz com o desejo que nao pode mais ser? Tem coisas que deveriam durar pra sempre, e eu saberia o que escolher sem a minima hesitacao. Porque é o grito que vem de dentro, e quer avancar todas as impossibilidades do destino. O tempo tinha parado, e o acaso foi mais que gentil. Mas foi um sopro bom que passou, e me deixou sem chao, com pernas bambas, com o coracao na mao. Estou sufocando, porque a falta virou uma coisa presente demais. Tenho um gosto doce na boca, e nao quero mais me livrar dele.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Chuva

Uma chuva fina na manha, e nenhum guarda-chuva ao lado. É como se arriscar à vida, sem necessitar se jogar de um penhasco ou coisa parecida. As coisas estao mais diarias do que as pensamos ser, e logo um pingo despretencioso nos molha a cabeca no meio da mesmice dos dias. Nao precisa de muito, só que se deixe molhar. Que se pule uma poca d'agua sem necessitar ter raiva do mundo. Os convites a momentos especiais costumam ser infinitos a depender dos olhos, e os meus as vezes se poem doentes. O que me importa é o telhado coberto, e a chuva tao longe que eu nem a possa escutar - afasto assim, sem saber, o frio que arrepia a espinha, que molha os cabelos e me enxarca de... Vida!
Uma crianca atravessa a rua correndo, e um casal que vinha calmamente de maos dadas se abraca ainda mais. O cachorro caminha procurando por algo, e finge que nao sente que tem, sim, algo diferente. O senhorzinho com o guarda-chuva vermelho continua com as calcas molhadas, mas nao parece nem um pouco preocupado - acho mesmo que ele nem notou. Na esquina, uma moca espera o carro passar. Na porta de casa, um jardim agradecido, e um menino fazendo bagunca no quintal.
A chuva, percebi hoje, é boa também...


...

Chove como que o céu desabando aqui.
Hoje eu me sinto feliz.

sábado, 18 de julho de 2009

... O corpo às vezes fala mais que a alma. Algumas vezes não se precisa da alma, só do corpo, do movimento, da coisa subentendida e exposta, do descaramento, da ingênua sensualidade que está vista em cada cruzar de pernas grossas. Nesses momentos, eu deixo que olhem, pois sei que estão olhando e pensando o mesmo que eu. Pouco importa. O que importa mesmo é o desejo contido que aflora a cada girar das cadeiras, a cada mão na cintura, a cada passo ritmado na dança que vai por toda a noite. Só digo que venha, e é mais que um pedido. Ele nao tem a coragem de não vir.
Agora mesmo, corre quase uma garrafa inteira em minhas veias - e o sacrificio que dificilmente tenho de fazer é o de sorrir pra todos eles que me convencem. A verdade é que nunca fui do tipo boa demais, mas aqui, especialmente, depois da terceira, tenho todo um reino. De onde ela vem? Que misterio há? E eu nao revelo nada! Esse é o tipo de jogo bom que me satisfaz, me cora as bochechas e me enche de uma malemolência gostosa, gostosa...
Fico até cansar, e depois disso, nada mais. Volto pra casa cantando, cambaleio entre os tapetes, puxo as cobertas e durmo um sonho em paz.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Ó pedaço de mim...












Não tenho problemas em me encontrar sorumbática, nem em me fazer exitante. A força do hábito, mais forte que eu, me fez aprender a lidar com tudo isso. O problema agora é o descompasso do coração, a falta de sincronicidade, a palpitação crônica. Há uma incoerência nas batidas, como que anunciando a minha disritmia com todo o externo. Com o interno também. Explicito um pecado em cada desejo, e é um deleite ao qual me deixo ir. Não ando me negando mais. Mas não consigo evitar o pedaço exilado que se forma a cada passo – no depois, me viro do avesso e o que encontro é vazio. Revelo um tom doloroso ao me perceber tão dispersa e sem rumo. Então me anestesio, porque lateja se eu parar pra pensar... E eu nem tenho tempo pra pensar (“Que se dane...!”)! Me agarro aos impulsos – esses e outros tantos. Decidi há 2 minutos que de agora pra sempre vai ser assim.

A roupa de baixo fala mais sobre mim, só que ela está escondida. Sempre, quase sempre. Por fora, gosto de chapéu e cachecol, porque escondem eventualmente qualquer lágrima. Nessa hora, sou só sorrisos – e eu gosto disso. Não nasci pra ser Simone de Beauvoir, e a invejo em todo o seu desacaramento de gritar por si mesma. Porém, apesar de contida, não nasci pra santidade. Me culpo por isso, mas é um lamento em vão. Continuo cínica. Mantenho escores numa batalha estúpida, totalmente dispensável, e às vezes perco para mim mesma. Dúbia. Os mistérios em volta das experiências explosivas da vida continuam me atraindo aceleradamente – por mais que eu finja não ver. Eu cumpro minha sina, assim até que está bom. Mas eu ainda vou sofrer um parto, sei que vou.

Ó pedaço de mim, do qual não posso me esconder, coração...

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Desconhecida

Cresci comigo e ainda assim não entendo as minhas reações. Me surpreendo cotidianamente, porque há muitas coisas inesperadas, coisas antes nunca percebidas que surgem em mim como se brotando de um lugar fundo demais. Ou raso demais, tão raso que eu simplesmente não vi. Definitivamente, algo novo. Gosto de ser uma cada vez, mas às vezes um frio imponente me toma e eu fico sem saber... Me pega desprevinida, sem nenhuma pista! Acho que é só medo - medo de ser. Não sei a origem do turbilhão interno, da sensação ameaçadora, do desejo de apagar a luz. Tudo é aparentemente explícito, mas a verdade é que eu nada reconheço. Grito pra dentro, mas de dentro sai uma risada sarcástica, como se me provocando diante da minha cara nitidamente incrédula. Não quero ser esta pessoa que está posta, que está à mostra. Quero outra, pelo menos pra aliviar o que me arde agora. Tenho vontade de me deixar pra trás, e construir uma história mentirosa, mais fácil de lidar. Mas não passa de uma vontade rápida, e pra minha sorte, ainda me resta um raio de fé. Acredito ainda numa certeza tímida, numa possibilidade discreta, num ato mínimo no qual me reconheça - pra que nele eu desesperadamente me tome por inteira. Preciso me entender, pra compreender a vida. Não gosto do mundo gelado que se estabelece quando me afasto de mim. Eu sou naturalmente confusa – e sei que isso é o paradoxo maior dos meus desejos todos. Nada extraordinário, nada exatamente desagradável, apenas um embotamento sutil, quase silencioso, que me distancia de tudo. Convivo melhor assim – sem explosão. No excessivo controle. Nas horas que o novo me pega de jeito, eu quero mais é fugir ( e não entendo por quê). Enquanto isso, continuo predominantemente faminta, querendo ser uma gigante, com mais de 2000 metros de altura. Toda essa parafernália pra me encolher diante da necessidade real e urgente de uma posição. Que tola...! A cada dia cresce o meu desejo de entendimento, mas eu simplesmente não entendo. O risco maior é o não-encontro, e ele me leva a pensar sobre tudo o que me move. Porque estou em mim há 21 anos, repito, e ainda me sou desconhecida. Dentro de mim há um reino desconhecido, que vira lar de uma criatura que é um outro alguém. A verdade está dentro, esse fato é fato, mas ela submerge de um jeito sulfuroso. Borbulha e queima. Uma tempestade súbita desaba sobre a minha penugem branda, e eu me sinto esquisita diante do mundo. Quero as resposta. Preciso das respostas. Mais que isso, preciso de mim.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Despertar

“Eu ficaria aqui mais a eternidade”, é o que me vem à cabeça antes mesmo deu abrir os olhos. Aqui é calmo, quente e confortável. Nem me mexo! Amanheceu, mas pra mim ainda é noite. O tempo é meu, e ele é elástico: cabe toda a minha vontade de vida, e ainda me deixa os cinco minutinhos a mais. Por cima de mim, ainda deitada na cama, passa bailando a minha ilusão dessa noite, numa despedida longa, dizendo que já é a hora. Fica o pensamento. Ouço vindo do despertador o anúncio de um mundo inteiro pela frente. Ok, decido que quero levantar, mas quero levantar dançando, espreguiçando de um jeito largo, bocejando o último suspiro do sono. Ponho uma música. Aos pouquinhos deixo entrar a luz, e com ela todas as possibilidades... Bem-vindo, dia!

sábado, 13 de junho de 2009

Samba

O samba é a minha tradução. É onde eu piso um chão que entendo, onde os meus pés trocam firmes e sem medo. Minha casa, meu terreiro, meu reinado. Minha gente! Gosto de samba, porque gosto do que ele faz com o meu corpo, do que ele faz com a minha alma. Não existe samba sem o quadril farto da mulata mole, sem o chapéu Panamá do malandro velha-guarda, sem o sapato gasto da dona Preta, que sapateia miudinho, cheia de graça. Nasci torta, mas esse defeito Deus não me deu: o de não sambar. Peço a benção pro samba, entro na roda com a mão na cintura, me enfeito com o meu maior sorriso, e vou quebrando de um lado pro outro, num molejo todo bom. O samba é um convite sem-vergonha à fogosidade e, de quando em vez, até ao amor – por isso dele não me nego. Fecho os olhos e deixo ele escorrer em mim, até me lambuzar. No coro do refrão, choro junto com a cuíca, mas não é de tristeza. É de alegria (sim, senhor)!

O samba pra mim é onde eu provo a fruta proibida, e me esbanjo em meus pecados. Me acabo, mordendo a boca de lado, enquanto vou sentindo a pele ficar cada vez mais molhada. Nem por isso paro. Nem se o mundo acabasse. Me puxam pelo braço, e agora um outro corpo cheio de ginga se embala junto ao meu. As baianas que preparavam a feijoada se juntam ao grupo, e esse é o momento que eu mais espero, o mais lindo de todos... O samba é essa mistura de tudo, que dá no fim um prato dos melhores. O homem com a voz rouca canta as historias da amada que partiu, do lenço, das falsas juras, da saudade eterna, da fita amarela, do choro, da vela... As histórias do morro. Agora todos se despedem juntos da roda, num até-logo demorado, com o coração no pé.

Um sabiá cantador anuncia com a viola que hoje é noite de samba...

domingo, 7 de junho de 2009

Justificando

Não sou exatamente exagerada, mas também não gosto das coisas pela metade. Ou é ou não é, e nesse caso eu gosto dos 50% certos. Porque o ‘pode ser’ nada mais é que uma idéia solta, e eu estou farta de estar solta demais. Meus pés se grudaram ao chão, e o chão está sempre frio. Ainda acredito em dados lançados ao vento, em oportunos acasos, em apostas feitas às cegas, mas não me convenço mais das promessas quentes em paraísos muito distantes. Eu quero pra já, e quero aqui perto. Nada além do real.
Não sou exatamente amarga, não me considero o tipo cruel e fatal, mas gosto da verdade. Ou, no máximo, das mentiras doces. Não tenho medo do mundo, e estou na ciranda para girar, até ficar tonta. Tenho duas faces, e não hesito em mostrá-las, as duas. Mas não gosto da vida mesquinha, dos desejos mesquinhos, das historias onde só cabe um. Pra mim, tem que transbordar! Entre meio cheio e meio vazio, fico com a garrafa inteira, e ainda repito a dose.
...
A questão toda gira em torno do fato de que a justificativa me dada é sempre a mesma: os dias todos parecem ter neblina demais - e em meio à cegueira, em meio às dúvidas e questões existenciais, dá-se meia volta e deixa-se pra depois. É o que ouço. Estou cansada, pra não dizer farta, e por isso mesmo venho aqui falar (apesar de não deixar de defender) sobre toda essa filosofia barata. Vejam, não faço camapanha contra, muito pelo contrário! Essa coisa toda abstrata me é assumidamente muito sedutora, e eu não faço o tipo cética. Mas as coisas postas precisam de caminhos concretos - ou então tudo vira uma grande abstenção. Não sou extamamente um poço de certezas, mas entendi agora que aquelas decisões assustadoramente difíceis precisavam na realidade de escolhas um pouco mais fáceis, um pouco mais simples. Precisavam de um pouco de riso. Não gosto de quem foge da vida, e por isso às vezes não gosto nem de mim mesma. Eu grito, eu fico sem voz, e nem sempre sei explicar minhas razões. Mas sou honesta com o que sinto. Não corro do que vem de dentro, e nesse ponto pago até pelas feridas. O fato é que, de mim, não adiantaria tentar fugir. Por isso hoje bato pé pelas minhas paixões. Elas, que são minha maior verdade. Meus prazeres secretos, minhas crenças deliberadamente assumidas, meus cachecóis de lã em meio ao tumulto da neve. Gosto das coisas apaixonadas, porque elas surgem de dentro da alma, e são fortes e reais. Não tem lero-lero. As paixões trazem intrinsecamente as motivações para os dias, e só por isso já se fazem indispensáveis para vida. Sem elas, não sou.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Fantasia



Em dias como hoje, eu costumo chegar em casa e procurar refúgio. Monto uma tenda na sala, visto um agasalho bem quente, esquento um chá de limão. Aqui sou dona do reino, rainha e criada, senhora, escrava, bruxa e cristã - e todo o encantamento faz parte e é meu. Meus livros são meu subterfúgio, e é assim que ganho coragem, que ganho asas. Começo a viagem. Sou múltipla e fragmentada, uma e um milhão. Hoje nada me sufoca.

Num caminho longo de pedras, percorro a trilha com calma, experimentando cada passo. Ouço um assovio. Um bater de palmas. Uma moeda caindo no chão. Um trovão. Sigo sem medo. Num virar preguiçoso de páginas, me transformo naquela outra, metamorfoseada. Tudo me fascina e, estranhamente, não me tenho tão vacilante. A bússola aponta um norte qualquer, e qualquer direção está certa. A medida é certa. A hora é certa. Avisto um castelo de vidro onde começo tudo outra vez. Vou assim até o infinito...

Agora já ensaio um bocejo. Mesmo depois que o chá acaba e os olhos cansam, ainda me sinto nesse mundo bom. É assim que velo o meu sono, aproveitando o fim do dia frio. Uma leveza se desliza pra dentro de mim, e eu não sei de onde ela vem. Me aquece o peito uma sensação gostosa - estou completa. É por causa da mágica, soprada do livro cheio de rabiscos, da alma dos personagens que ganham vida através de mim! Me deixo ser levada. Me camuflo dessas mil, e não sou mais somente eu.

Ora, depois da fantasia, descanso em paz.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

"Ficaram as canções e você não ficou..."

Ele pega todas as fichas e joga no chão. Não sabe que eu tinha planos mornos e pensamentos quentes em relação a nós dois. Ele põe a calça jeans, o tênis sujo e a mochila velha nas costas, se vira gritando planos, gritando sonhos, e esquece de me incluir neles. Não imagina que eu tinha ensaiado horas e horas uma proposta a fazer, e nela cabia o mundo dele também. Guardo tudo que eu repeti centenas de vezes para o espelho e me sinto meio ridícula. Vou ao mercado e coloco uma caixinha de lenços de papel em meio aos morangos. Os morangos, que agora eu vou comer só. Chego em casa e respiro fundo, tentando não achar o resto do dia tão desinteressante. Ponho a sacola ao lado das flores em cima da mesa. Ponho uma musica pra ouvir uma voz qualquer. Esqueço de trocar o CD, lembro que ele não vem.

Ele pega a cadeira e senta ao meu lado, como que sabendo que eu o quero ali. Ele me elogia a pele, o sorriso, e fala como se estivesse finalmente se deixando levar pelo meu olhar. Ele me olha, um olhar mais cretino ainda, e eu gosto disso. Segura a minha mão, diz que sente falta, sente saudade, sente vontade (muita). Eu acredito. Me encho de desejo, beijo de um jeito forte e tento não demonstrar o quanto eu sinto. Descemos pela rua sem gente, nos esbarrando em uma esquina ou outra. Andamos juntos, mas eu evito tocar as mãos, é perigoso demais. Fico sozinha na porta do prédio. Subo sozinha o elevador. Entro no banho, repito o CD, demoro um pouco mais. Espero o interfone tocar, o telefone tocar, mas adormeço em silencio. E o silencio dura tempo demais.

Ele me tem nas mãos e deixa escorrer entre os dedos. Me visita num dia frio em que bebi mais que duas taças. Lê umas palavras que escrevi, diz que são a minha cara e age como se me conhecesse bem demais. Mimetiza uma intimidade que me irrita por não ser de verdade. Vem chegando aos poucos e de repente não tenho mais espaço pra respirar. Tremo, mas não está mais frio. Esqueço por uns segundos a promessa que tinha feito a mim mesma, e quando lembro, já não tenho mais escolha. Ou tenho e escolho não pensar. A flor já está murcha e a geladeira vazia. O apartamento vazio. Ele tem que ir. Fico só, com as canções...

...

Sossego

Sinto como se o sossego fosse uma fruta rara a se comer diretamente do pé. Tenho sede de sossego, e mais ainda de amor. Há muita coisa ao mesmo tempo – aqui dentro, aqui fora, pelos meus cantos todos. Particularmente, nada me serve, e eu sei que o número está grande demais. Sobra. O sossego se dá nas coisas que cabem perfeitamente em si mesmas, que são confortáveis, sem exageros nem excessos. Mas não tenho a paciência de ir vivendo aos poucos, sem exigir de antemão que dê certo. Esse é o meu abismo.

Sei que a construção do meu dia me está sendo posta rígida demais. Não culpo a ninguém. A colcha é grande, mas eu só adiciono retalhos nas tardes em que me permito ser (nas outras me escondo). Não extrapolo nem dou o bote, só ando armada até o pescoço. Intempestivo desassossego. Corro até o teto, fujo arrastada, fico beirando à espreita. Tenho mãos e olhos por todos os lados, mas nem assim evito as lágrimas. Me sinto atada. Me sinto explícita. Conto as horas para dormir em paz, e o sono me joga de novo no mundo. Esse é o meu jeito de encarar o resto, meio moribundo, meio arregalado, meio amolecido, meio espantado.

Ainda tenho fé na luta, mas as minhas pernas doem. O escudo é grande e não protege nada - e o meu peito está sempre aberto demais. O coração sai pela boca, mas eu não aqueto. Ainda procuro a árvore, a fruta rara a ser comida do pé.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Primavera



Leve e doce ar de primavera. Sopro manso, toque macio de uma outra mão na pele aveludada. Frescor jovem dessa idade boa, do hálito morno de menta, da boca pintada de rosa, dos cachos jogados ao vento. A tarde se alonga cheia de cores, e o céu não tem fim. Notas cheias tocadas com melancolia saem de um violão que quase chora. Não tenho certeza de onde elas vêm, só sei que me invadem a alma e me enchem o peito de saudade... Mas não me interessa nenhuma explicação. O pulso é lento e o tempo espera. Sem pressa. Sem hora marcada. No caminho há uma cabana, e dentro dela uma noite longa...

terça-feira, 26 de maio de 2009

Curiosa..


Eu queria saber do que a felicidade é feita. Há um tempo, eu achava que era feita de dançar até doerem os pés, dias ensolarados e duas bolas de sorvete de chocolate sem culpa! Eu queria saber do que é feita a comida da minha vó e a oração forte da minha mãe, além da sensação boa de estar em casa. Queria saber do que é feita a perseverança. Ela e a paixão. A tal da paixão, que eu jurava de pé junto que era feita de borboletas na barriga, de bochechas vermelhas, de encantamento, de trocar as palavras e suar frio. Eu queria saber do que é feita a ansiedade, a falta de sono, o medo, o desespero, o descompasso. Mas queria saber também do que é feito o sonho. E pra mim, era tão claro, que a minha idéia de sonho costumava se misturar com minha idéia teimosa de realidade. Eu queria saber do que é feita a saudade - e do que é feito o remédio pra ela. Queria saber por que existe solidão e tropeço, e tudo isso que dói um monte, mas que não me deixa mais ser a mesma. Eu queria saber do que são feitas as possibilidades, aquelas coisinhas que surgem invisíveis, aos milhões, ao romper de cada dia. Queria saber do que precisa para ser forte, e seguro, e dono de si. Eu queria saber do que é feita a lágrima, se é mesmo dessa água que escorre e lava tudo. Queria saber do que é feito o riso das crianças. Eu achava que elas riam pra mostrar pra gente que a vida é muito maior e mais maravilhosa do que a gente erra em achar. Não acho que crianças são bobas ou ingênuas, muito pelo contrário. Acho que elas ficam assim quando crescem. Queria saber que sensação é essa de “tirar os pés do chão”, e do que é feita a prosódia daquelas pessoas que lêem histórias pra gente dormir. Queria saber do que é feito o senso de responsabilidade, a percepção de mundo, e as coisas sérias que fazem a gente se perceber crescendo. Queria saber do que é feito o vento que passa levantando a saia rodada da menina baiana, aquela mesma, que só pára para pedir a benção ao pai. Queria saber do que são feitos pontos finais. E noites com sensações novas. E gestos. E rimas. Eu queria saber do que é feita a gratidão, e queria saber o que fazer para que meus amigos percebessem o quão grata eu sou a cada um deles. Eu queria saber o que há por trás de cada perda e cada ganho. O que há dentro de cada abraço. O que há fora de mim. Queria saber do que é feito o reflexo, o espelho e o estranhamento. Queria saber do que é feito o encontro - e aquilo que os poetas chamam de “sopro de vida”. Eu queria saber do que é feito o samba e as rugas na cara. Queria saber do que é feita a minha indecisão. Queria saber do que é feita a superficialidade, o que a sustenta? Queria saber o que significa aquele verso, aquela frase, aquele impulso, aquilo que me causa taquicardia, e que ta perdido, cada vez mais longe. Eu, que ando querendo saber...

domingo, 24 de maio de 2009

Na casa de Dorival



O colorido sonoro do mar.

Calor abençoado, bocejo mole...

Não sei fazer poesia, porque não sei juntar as palavras.

Aliás, de frente pro mar, eu não tenho palavras e nem queria ter.

Se tivesse, quebraria o encanto da poesia natural sussurrada pelo vento.

"Cabelo cresce"

Cortei o cabelo e chorei arrependida. O que isso fala sobre mim? Não sei se é dificuldade de deixar as coisas irem, não sei se é uma relutância às mudanças quase bruscas demais, não sei se simplesmente eu não gostei, ficou feio mesmo e eu tenho motivos justos pra ter me arrependido. Odeio assumidamente cabeleleiros. Eles e suas tesouras cortantes, mutiladoras, que se pudessem, deixavam todas as mulheres carecas! Eles chegam com um ar disfarçado, são gentis e engraçados, e eu quase me convenço. Mas eu sempre desconfiei que, lá no fundo, deve haver um quê involuntário de confabulação e complô que misteriosamente guia as suas habilidosas mãos ao (nosso) desastre total. E é tão rápido que num piscar de olhos, aquilo que demorou anos e anos para estar ali, já era! Simples assim! Sem nenhum alarde, sem nem sequer uma preparação. Completamente indolor (pelo menos momentaneamente).
O meu cabeleleiro foi um amorzinho como sempre, me fez até sorrir. Falávamos do programa de um tal de Netinho na TV, do telefone que não parava de tocar, de como a minha casa ficava perto do salão. Distraída, quando fui ver, já estava sem uma das metades mais importantes de parte de mim!!! (Muito malandro.. tsc tsc)
Agora estou tentando manter a calma e olhar o lado positivo dos fatos, porque meu pai insiste em me dizer que eu tenho que aprender a fazer isso para ser feliz. Óbvio, ele não tinha cabelos grandes! Acho que mais que olhar o lado positivo, agora eu tenho é que me acostumar com essa “nova” eu... (Se pelo menos o cabelo fora tivesse levado uma listinha de outras coisas com ele... Mas levou, não. E, não satisfeito, ainda me deixou nessa aflição de passar o pente e sentir que falta algo.)
Odeio cabeleleiros (já disse isso?).

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Romântica, sim!

Sou uma romântica tola. E acredito em relacionamentos feitos de Domingos no parque com bolinhas de sabão e algodão doce. Feitos de noites longas, luas cheias, poesias e todo o resto. Feitos de declarações de amor penduradas na porta da geladeira, rabiscadas no vapor do espelho do banheiro, colocadas secretamente em meio aos cadernos para serem achadas num momento despretensioso daquele dia agitado. Acredito, bem lá no fundo e sem querer assumir, nos infinitos contos melosos com pitada extra de açúcar. Odeio admitir, mas eles involuntariamente me fazem travar uma batalha exaustiva contra a lágrima prestes a cair (e depois que ela cai, desabo por inteira).

Sou uma completa ultrapassada. Acredito em relacionamentos feitos de par-ou-ímpar pra decidir entre japonês ou massa. Feitos de planos de 5 filhos, 4 semanas de lua de mel, 3 bolas de sorvete na mesma taça pra gente dividir, 2 pares de havaianas no pé da cama, 1 sonho maior que tudo no mundo! Acredito em relacionamentos feitos de gargalhadas com umas caretas bobas, banhos quentes com champanhe e espuma, excitação antecipada pelo fim-de-semana.

Eu sei o que as pessoas devem estar pensando. E para não dizerem que eu serei eternamente uma apaixonada só, devo dizer que acredito em tudo que é maravilhosamente real. Eu acredito nos relacionamentos que são feitos também de dias em que a voz fica mais alta, os nervos ficam à flor da pele e não se atende o telefone. Dias de chorar de raiva, de rasgar as fotos e as antigas juras de amor eterno guardadas na gaveta. Dias de não querer ver nem se ajoelhado, de não querer ouvir a voz, ouvir falar o nome! Acredito em relacionamentos feitos de momentos em que parece haver um abismo dividindo tudo. Em que há 5 mil motivos pra terminar de vez, 4 horas de dúvidas até decidir ligar ou não, 3 versões diferentes da mesma história, 2 mentiras que pareciam bobas, 1 porta na cara.

Eu sei que o amor não é feito só dos dias de sol. Mas quem disse que eu não quero correr o risco da chuva? Quero, sim! Quero tudo junto, se for de verdade, se valer a pena! E quero, fundamentalmente, jamais deixar de acreditar na beleza que há no encontro.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Frio!

Não sou fã de dias muito frios. As manhãs foram feitas para ter colorido, mas o que vejo ao abrir a janela bem cedinho do meu quarto (pra deixar o sol entrar) é uma variação das diferentes tonalidades de cinza. É uma triste constatação. Dias quentes, aprendi a achar ao longo do tempo, prometem algo mais. Acho que as pessoas ficam mais falantes, as crianças espirram menos, os tiozinhos que vendem sorvete na banca da esquina sorriem mais. A gente bebe mais água, vai mais ao parque e tem definitivamente mais disposição. Os dias quentes pra mim costumam vir com uma sensação intrinsecamente mais aquecida dos afetos (e eu me sinto mais bem humorada, devo dizer). Porém, não acho que dias frios são ruins, longe disso. Se tenho assumidamente uma preferência pelo calor, não deixo de admitir as maravilhas de ficar debaixo do cobertor, aquecida pelo tecido grosso e macio, envolvida por braços carinhosos que não desgrudam mais. Dias frios foram feitos pra gente ver que tem calor que precisa vir de fora, que o calor do outro também é bom (e como esquenta!). E é por isso que eu acho que se é que há mesmo um sentido escondido por trás dos dias mais gelados, que a gente não perca tempo só com aquecedores de plástico – que a gente se abrace mais, de um jeito mais longo, mais apertado, mais demorado, mais verdadeiro. Que a gente não dê só tapinhas nas costas e saia atrasado. Se for assim, eu faço até campanha pros dias frios!

terça-feira, 19 de maio de 2009

Quadro

Não sei o que falta, se é que falta mesmo algo. Numa parede branca do meu apartamento tem um quadro que minha avó me deu. Nele, há vários sobrados finos e bem altos, pintados cada um de uma cor. Eles começam grandes, de perto, e vão descendo dos dois lados de uma rua de pedra que termina numa curva. Daí em diante eu já não sei mais. Os sobrados têm janelas grandes, como portas por onde se olha o mundo lá fora. Têm também telhadinhos marrons, que ficam debaixo de um céu azul. Eu moraria no meu quadro, apesar de não haver gente nele (acho que é ainda cedo, está todo mundo dormindo – ontem deve ter sido dia de Yemanjá e eles festejaram até tarde na beira do cais). Aliás, desconfio que há um cais virando a curva, e um mar tão grande que não cabe em si!

Enquanto olho o quadro, imagino uma moça descendo a rua (e ela parece feliz). Ela tem uma flor no cabelo, uma flor vermelha e grande, que combina com o colar de sementes vermelhas que carrega no pescoço. Ela traz uma sacola de frutas e fala com as senhoras que, de repente, aparecem na janela. E passa pelas crianças que gritam pela rua, pulam corda, se escondem atrás dos postes, desenham no chão a amarelinha. Ela veste um vestido de renda branco, com sandálias de couro que fazem parecer que ela está descalça. Fala com o senhorzinho de cabelo branco sentado na porta de um dos sobrados, que espera o outro chegar com o tabuleiro. Fala com uma moça jovem, de riso largo e andar rebolado, que desce pela rua chamando atenção dos rapazes. Agora ela pára no meio do caminho, porque de longe vem uma criança correndo ao seu encontro. É um molequinho cambaleante, que há pouco aprendeu os primeiros passos (mas já pensa que pode voar). Ele a alcança, a abraça, e ela lhe dá um beijo longo. O põe no colo e segue, agora em direção a um homem. Um homem com cheiro de peixe e molejo do mar. Com gosto de sal. Com ar de saudade....

Não sei ainda o que falta, se é que falta mesmo algo. Fico olhando o quadro e me pergunto...

domingo, 17 de maio de 2009

Grito surdo



Tem dias em que não consigo escrever, as palavras simplesmente não saem. Tomo um banho, tomo um café, tomo coragem, sento pra falar, mas nada sai. Seria simples se eu colocasse a tampa na caneta, fechasse o diário e dormisse em paz. Mas não, algo engasga forte no meu peito. Eu me sinto perplexa, e esse é o sinal irritante de que tenho que colocar algo pra fora. Talvez seja falta de inspiração, mas a questão não é mais saber ou não juntar bem as palavras – a questão é apenas cuspi-las pra fora, sem requinte, sem meios sentidos, sem trocadilhos inteligentes demais. Quero apenas tirá-las de mim, me dar um tempo pra descansar do turbilhão acelerado que se forma aqui dentro.

Nesses momentos em que perco o tom, não sei nem por onde começar. Começo e logo já não estou mais sabendo do que estou falando. Desisto e começo de novo, um outro começo, mais descompassado ainda. Não faço o menor sentido. Talvez porque falar não vá resolver mesmo a angústia apertada. Mas o que resolve, então?!

...

“Rimas fáceis, calafrios, fura o dedo, faz um pacto comigo...”

Menina baiana

Porque menina baiana aprende desde cedo que pra ser feliz tem que sorrir, e tem que dançar, requebrar as cadeiras, remexer os quadris e se deixar levar.


E menina baiana aprende também que "dia de Domingo" é religioso... Dia de deixar o sol chegar, cair no mar, deitar na onda e esquecer de tudo*.

Menina baiana aprende desde que nasce a cirandear, a rodopiar, ser poesia. Põe a saia rodada, a fita no cabelo, o sorriso no rosto e vai pro mundo.

E menina baiana aprende logo logo que tempo ruim não existe!
Que tristeza é ventania que passa logo, e bom mesmo é enfeitar a tarde com um arco-íris.

Menina baiana aprende que festa se faz todo santo dia... Mesmo!
Festa ao conhecer gente nova, festa ao receber notícia boa, festa ao festejar a vida!

Ah! E menina baiana aprende especialmente a não ter pressa...
E fala "oxente!", "que Deus me livre", cruza os dedos e se joga de corpo inteiro.


Menina baiana quando sente, sente de verdade. E aprende que é disso que é feito o viver. De sentir.

Porque menina baiana aprende que o mundo é gigante, mas que ele cabe na palma da mão...

Casual

Eu acho que eu gosto é da casualidade. De não estar esperando, nem planejando, e me surpreender. De viver a tal da oportunidade que eu já havia tentado incansavelmente criar até eu desistir, e me conformar, e deixar pra lá. Aí, ela vem. Simplesmente vem. Quando eu menos espero, quando a preocupação e a ansiedade não mais existem, quando um milhão de outras suposições ocupam meus pensamentos. Eis que ela surge, silenciosa, calminha, sutil. E cresce exageradamente, até se tornar o acontecimento do dia! Inesperada. É assim que eu gosto. Quando ela vem sem nenhuma pretensão. Quando não tem promessas, nem obrigações, nem expectativas. Quando ela vem, porque quer, porque aconteceu, porque no jogar de dados do acaso, assim ele decidiu! E é delicioso, porque nesses momentos, eu percebo que não estou no controle de tudo... E nem preciso estar! Por que a vida, por ela mesma, tem o seu curso, e, sim, na casualidade, mais cedo ou mais tarde, ela concretiza todos os nossos desejos. Afinal, toda manhã é um prato cheio pras possibilidades do nosso destino.

Razões

Cada um tem suas razões. Acabei de ouvir isso de um sábio amigo meu que ficou até as quatro da manhã aqui em casa, fosforilando sobre a vida, sobre o existir, sobre o outro... Mas o difícil mesmo é entender essas razões de cada um. Todo mundo tem o direito de sentir. Sentir medo, tensão, desejo, tesão, sentir pressa, sentir fome, sentir raiva, sentir sono. Sentimos o tempo todo, e vivemos assim, permitindo ou não sentir algumas coisas. E damos nomes, marcamos hora, enquadramos nossos quereres, como se eles tivessem que seguir uma cartilhinha de certo e errado. Malditos contratos, regras ou o que seja. E aí, quem diria, criamos caraminholas na cabeça acreditando que alguns dos nossos desejos são dignos, outros não... Será então que agora a gente não pode mais sentir, simplesmente? E é por isso que colocamos tudo na balança, pesamos as supostas conseqüências, o que vale mais, o que queremos menos, e, pimba! Fazemos uma escolha... Irrevogável... Que nos torna eternamente responsáveis por uma decisão. Aff, quanta responsabilidade! No fim, parece que a gente nem mais escolhe, porque arriscar é difícil demais, dá mais medo ainda, e a escolha dita como acertada já é previamente estabelecida como “senso comum”... Afinal, quem não quer ser perfeitinho?! Mas sabe de uma? Na verdade mesmo, o que a gente tem que ser é honesto. Justo com a gente! Diante das opções, não há certo ou errado, há caminhos, rumos, e a gente vai levando a vida do jeito que a gente achar que vai mais nos fazer feliz. Tou encarando aquilo que for me trazer mais sorrisos..., quem dá mais?! Sei lá... O ideal mesmo era que a gente vivesse da tal da espontaneidade, por que ela, sim, dá margem a se ser do jeito que se quer ser, leve, sem carregar culpas sociais, julgamentos, repressões, obrigações ou... qualquer besteira. Queria mesmo ser uma borboleta.

Sobre os dias

Eu ando com medo, eu ando alerta, entrelaçada em mim como nunca antes
Ando com a pressa de despedir-me, de encontrar-te, de inundar-me naquele cais
Ando fazendo planos, alucinando-me, como sou tola, e nada sei
Acreditando numa certeza que eu inventei, pra te criar, pra me inventar,
me desdobrar e nada mais
Eu ando correndo, ando dançando, me esculpindo, me destilando
Ando traçando um rumo norte, sem outra sorte, sem te descobrir
Ando chovendo, ando molhado, acreditando em mais nada, sério
Me coroando, me desprezando, seria o certo estar por perto,
mas não está
Ando rezando, desesperada, ando encontrando uns braços quentes
Uns braços raros, uns bem mais rápidos, e no final, eu passo frio
Eu ando nua, ando sozinha, procuro a ti, procuro paz
Me vejo seca, toda vazia, e por inteiro, eu grito mais

Sobre os gostos















Eu gosto de sorrisos e de toda a poesia implícita neles. Gosto dos olhares de longe, aqueles que timidamente falam tudo. Gosto das intromissões não planejadas de certos pensamentos naquelas horas mais inesperadas, e gosto do gosto forte do café num dia sonolento. Eu gosto de imaginar momentos que seriam perfeitos para pano de fundo de algumas músicas. Gosto de barras inteiras de chocolate. Gosto de conhecer pessoas, de entender certo assunto que estava complicado demais, de alugar um monte de filmes e ver um atrás do outro. Gosto de chorar no cinema. Gosto de comprar toda semana uma flor pra enfeitar minha casa, e gosto da idéia de ter uma casinha colorida na praia, bem simples, mas que caiba meus futuros filhos e suas histórias. Gosto de mim quando estou na minha terra, no colo da minha mãe, naquele cantinho só meu. Eu gosto de me sentir leve e em paz, como gosto de ficar olhando o mar me perguntando até onde ele vai. Será que ele tem fim? Certamente tem alguém, lá longe, do outro lado, olhando também. Gosto de escrever minhas sensações, na mesma intensidade que gosto de senti-las. É por isso que eu gasto tanta caneta. Gosto de recadinhos carinhosos em pedacinhos de papel e gosto de dias em que posso simplesmente estar com meus amigos. Gosto de fotografia, gosto de livros escritos em primeira pessoa, e gosto de cartas escritas a mão, com borrões e tudo mais. Gosto de dormir, de pegar no sono logo e ter sonhos bons, como gosto de acordar cedinho, olhar o céu e ver o sol. Gosto de viajar. Muito. Gosto de ter tempo ocioso, mas gosto mesmo de estar cheia de coisas para fazer, e da sensação de quando termino de fazê-las e deito no sofá. Gosto de jogos de tabuleiro, principalmente quando estou ganhando do meu irmão. Gosto pedir uma colher a mais e dividir a sobremesa com alguém. Gosto da ansiedade de encontrar. Gosto das despedidas demoradas, aquelas que não querem dar até logo. Gosto do cheiro daquele perfume, da cor daquela cortina, do toque... e do sorriso. Ah, como eu gosto dos sorrisos...

Sensação II


Tenho me descoberto, e me surpreendido com meus próprios gostos, com meus desejos contidos, com minhas idéias loucas. Tenho evitado gritar minhas emoções, tenho tentado apenas vive-las calmamente, porque se gritasse cada uma, perderia a voz. E às vezes não dá para silenciar, soltam-se as sensações, e escapam em forma de pulos, risos, representações espontâneas de uma vontade de não mais me esconder, de não mais caber em mim de tão grande. Tenho esperado ansiosamente algo que eu nem sei, e tenho tido paciência, em meio a impulsos banhados a olhares de “agora já foi, essa sou eu!”. Tenho prendido momentos meus, minutos meus, rezando pra que eles durem toda a eternidade. Uma outra vez, quem sabe. Tenho fugido da realidade, porque esse mundo que eu criei é muito mais a vida que eu queria ter, a tal vida que eu descobri e não queria mais conter.

Sentido

Não faço o menor sentido. Nas minhas variações indefinidas e constantes, nas velhas questões existencias que me acompanham eternamente, na ansiedade louca, nas milhões de tentativas frustradas de parar de roer as unhas e pensar logicamente! Não sei o ponto médio. Eu explodo ou silencio, sem nenhum aviso prévio. Mas o que eu gosto mesmo é de sentir. Aos pouquinhos eu tou aprendendo que viver à flor da pele tem lá suas vantagens. Que não tem problema em chorar com propaganda de banco e que eu não preciso parar de sonhar para ter os pés no chão. Que sorrir é encher a vida de uma promessa gigantesca de felicidade, é se colocar à disposição, é querer ser feliz! É abrir as portas, as janelas, é se escancarar pra vida!

Não quero fazer sentido, porque assim eu pararia de tentar entender. E pararia de me surpreender, de me atirar vendada morrendo de medo, de me arriscar em mim mesma...Só sentindo.

sábado, 16 de maio de 2009

Eu

















Risos de canto de boca. Olhares timidos, que falam mais que os cotovelos. Bochechas vermelhas, borboletas na barriga, frio na espinha.. O mundo inteiro! Suspiros baixos, voz rouca, meia luz e solidao embora. Dias que amanhecem logo, cheiro de casa, colo de mae. Musica, musica, musica. E poesia. E sorvete. E abraço apertado. E a sensação boa de que estou protegida.

Sensação














Sou baiana. Tenho 21 anos e um milhão de sonhos. Nasci de pais que se conheceram no Carnaval, e que são meu maior exemplo de vida, de amor, de força e coragem. Aliás, tenho que dizer, não sou corajosa, apesar de todo mundo teimar que eu sou. Como também não sou bem resolvida, nem madura, nem nada. Eu sou uma criança, e não me incomodo com o fato de não ter crescido ainda. Eu tou buscando uma coisa que nem eu sei explicar ao certo o que é, mas que se tivesse um nome, o mais próximo seria... Liberdade!

Atualmente eu vivo em São Paulo, e vou ficar aqui por mais uns anos. Só mais uns. Eu moro só, com um jacaré de pelúcia que ocupa a minha cama inteira, e agora uma vaca branca, azul e preta, que, inclusive, namora a vaca branca, rosa e preta de uma amiga minha. A gente comprou elas juntas, numa viagem que a gente fez com mais outras duas amigas (uma viagem que, de tão perfeita, até agora não me parece real.) Pensar naqueles dias me faz rir. E rir é uma das coisas que eu mais amo na vida! Um dia desses, eu ri no meio de uma aula de Genética, porque lembrei de um momento especial, e foi uma delícia ter esses segundinhos só meus... Adoro quando o acaso me surpreende com uma recordação boa no meio de um dia chato.

Recentemente eu descobri que gosto de fotografia, que amo preto-e-branco, mas que, definitivamente, não sirvo para fazer poses. Se pudesse, teria mais paredes em casa, para colocar mais quadros, mais colorido! Um dia ainda aprendo a usar esse monte de cores, ainda aprendo a transforma-las em sentimento... Ou vice-versa. Desde pequena eu fiz trocentos mil cursos pra ver se desenvolvia meu lado artístico, criativo: aulas de teclado, de costura, de bordado, de violão, de ballet, de canto, de desenho, etc – não adiantou muito, porque o que eu sei fazer bem mesmo é dormir!

Não gosto de hospital, nem de sofrimento, nem de dor – mas não me enxergo trabalhando com outra coisa na vida, senão com essas pessoas que precisam, acima de tudo, de amor. Um amigo me perguntou uma vez como seria o mundo perfeito pra mim, e foi bem difícil descrever... Só sei que certamente todas as pessoas, invariavelmente, teriam oportunidade de ser o que quisessem. É engraçado, porque até eu mesma, hoje, estou bem longe de saber ao certo o que eu quero ser (quando crescer) - mas eu fantasio, sim, uma penca de filhos correndo para o mar num dia de sol. E uma casa com muito verde, e beija-flor indo beber água no quintal, e vento balançando a cortina estampada da janela. Como imagino tudo com som, com trilha sonora, com ritmo, com um tom único e especial. Aliás, tenho escutado uma música ultimamente que tem me feito desejar um algo novo, indescritível, inexplicável, mas que eu quero, e muito. Chama “Sensação”.

Não quero mais fingir.


Não quero mais fingir. Nem quero fazer como se tudo fosse pra sempre. Não é. A verdade é que tudo é pra agora, e com bastante pressa. Todos os meus desejos urgem, e me explicitam a alma. Quero rir. Rir desesperadamente. Rir daquele jeito que faz meus olhos brilharem e transparece tudo o que há em mim. Quero respirar o mais fundo que eu conseguir, até sentir os meus pulmões vivendo. Quero enxergar mais com ele, o coração. Quero ser uma canção boa, daquelas que fazem a gente fechar os olhos e dançar. Quero tomar banho de sol, banho de chuva, banho de mar, banho de espuma, banho de sal, banho de vida! Quero virar a esquina e encontrar um arco-íris, e quero gritar pra todo mundo ouvir a mais pura verdade de ser eu, sem vergonha, sem medo. Sem a menor ansiedade. Quero contar uma história bem contada, com os mínimos detalhes e uma gargalhada no final. Amanhecer com uma sensação de ontem, e outra de daqui a pouco. Quero entardecer com uma surpresa boa, e descobrir tudo o que há, ao anoitecer. Quero ver a lua, pisar nas nuvens e enfeitar todo o céu. Quero aproveitar a tinta e colorir o dia de alguém. Não quero mais me esconder. Nem quero fazer como se tudo fosse um julgamento. Não é. A verdade é que tudo é mesmo pra agora. Tenho pressa. Mas tenho, também, todo o tempo do mundo...

Riso



Andei ensaiando um riso novo. Pus a mesma música e desatei a abrir e fechar a boca, na tentativa de encontrar o meu riso mais largo, o meu riso mais riso. Não funcionou. Talvez a música não fosse aquela. Mudei o cd, e ainda assim, o riso não veio. Tanto não veio como ainda deu lugar a uma lágrima, maldita lágrima! E daquela lágrima veio o choro, o soluço, e a necessidade de um pano para enxugar o rosto. Talvez não fosse aquele o jeito certo de sorrir... Santa inquietação! Senti saudade de umas motivações antigas, bobas, que me faziam estremecer involuntariamente. Cavocando lá no fundo, elas me aparecem na retina novamente. E eu lembro... Pronto, estancou. Levantei do sofá, saí na porta, e não é que ele veio? O riso...

Compõe e decompõe

A vida é essa mistura de vale tudo. Se tenho nos meus atos assinaturas que reconheço, não sei. A mim me serve qualquer coisa, ou pelo menos é assim que eu vou levando. Ao som do Paulinho Moska constato, “tudo se compõe e se decompõe”. E de castelos de vidro vamos vivendo, fantasiando nossos sonhos em desertos só nossos. Ando em cacos, pisando em ovos, recompondo as pequenas coisas e montando o quebra-cabeça. Montando a mim mesma. Tá mexido e confuso. As coisas boas eu ponho no bolso da calça jeans, escondidinho. Das ruins, me escondo eu. E quando elas me pegam, me levam de jeito.

...

Deixa o garoto ir um pouco embora, virar homem, maturar-se, transformar-se, encontrar-se. Qual a beleza da criação? Meus labirintos se perdem neles mesmos, me sobra o nó, que eu não desfaço. Pergunto eu, desse lado aqui: jura, você, pra mim? Peço com jeito, com essa fraqueza boa, essa vontade mole de deixar nas suas mãos. Enquanto o mundo vai rodando, eu me jogo...

Uma página que nunca acaba.



Uma potente sensação de qualquer coisa me submerge. Entre raios de luz e a tentativa de deixar o sol lá fora, a paz e o abismo. Ao sabor de inspirações subjetivas me faço viva, e aí, nos cinco minutos daquilo que me toma, eu viro eu. Só eu, absoluta. E quando o encanto acaba, volto aos passos frouxos, à velha dúvida de sempre, aos suspiros cansados de todo dia. Eu gosto mesmo de mim é quando eu explodo! Rio de mim, do sopro da música e da batida forte no peito. Gosto do limão, de CDs, luzes que piscam e sorrisos de canto de boca. De chuvas de verão, conversas no corredor e palavras não ditas. Uma nova perspectiva toda vez, pra pegar outro fôlego e encarar a falta de ar. E a tal página que nunca acaba.

“Depois de duas horas de doce insônia, durmo calmamente...”