segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Querida. Clarice.

Comigo funciona falar menos, até mesmo não falar. Há um ano e meio, um pouquinho mais, minha boca não podia abrir tamanho o espanto em me descobrir assim, corações palpitantes, uma tatuagem com a poesia brasileira, uma peça de teatro em que transitamos pela casa dela mesma. Esse último Domingo comemos massa e tomamos vinho, gente estranha e próxima, lado a lado, tentando a sutileza da intimidade de outros dias, de antes.
Adiantem os relógios, e adiantem também a vida, porque cada dia é novo e diferente do outro. Minhas mãos contam mil histórias, e eu as carrego dentro dos bolsos, por entre as pernas, debaixo das toalhas de mesa. Um anel igual, o presente. Familiar mesmo é a sensação de olhar as ruas correndo através da janela, enquanto todo o resto pára. Absorta, sou engolida por essa fumaça que traz pedaços do caminho todo, recordações de gostos, cheiros, piruetas no meio da estrada, biquinis de lacinho em dias de sol. Coisas pelas quais vale a pena ficar.
Acarinho meus pensamentos, aceito o convite, porque na verdade não sei bem como ir. Hoje, meu coração quer apenas dividir a sobremesa e dormir em paz.

domingo, 7 de outubro de 2012

Plaut Vincent

Casebres coloridos, livros indecentes, meu francês péssimo. Alguém toma aulas e me dá uma lição, e para ser simpática com meu lado travesso, retribuo a gentileza com pitadas de alemão. É freneticamente charmoso esse papo quase chá das cinco, quase você-bem-entendeu. Verdade mesmo é que me sinto na Rússia, eu, com essa literatura barata, com esse cheiro pagão. Meus pensamentos rodopiam reticências, ora estou alheia, ora quero voltar, mas insisto em não fazer exatamente parte. Misterioso lugar, esse que chamarei de meu. Alguém para entrelaçar língua qualquer. Antes dele -lugar- hei de conhecer todos os outros.  ...Viena foi feita para mim.

sábado, 6 de outubro de 2012

Ponto e vírgula

Gosto doce da bebida forte, mar de rosas sobre o chão. Tua. Ainda não anoiteceu e eu desejo estar em outro país. Bethania grita a sua rouquidão, dançando lá de pés descalços, e eu retribuo em minha sala vazia com móveis demais. Rodopios e lágrima.  Ziguezagueio uma conversa convincente, pitadas nuas de um bem querer que só se contradiz. Volátil. Meus dias não comportam mais maquilagens, saltos altos, olhos oblíquos - e coisa e tal - e eu ignoro a presença incômoda do espelho. Penso em escrever no meu corpo uma frase que signifique tudo que não sou por falta de coragem - quem sabe assim, por insistência da imagem, cada palavra comece a valer mais que mil, me convencendo, por fim,  do fato. A verdade é que tudo está à flor da pele, mas eu me cubro com panos demais. E nem está tão frio...  Gosto das páginas à espera, outro mundo onde não estou, mas posso entrar sem ser notada. Entro. Sento no sofá de couro verde, espio todas as frases entrecortadas. Minha perspectiva é inteira íntima, dou cadência ao que deve ser, sem realmente me preocupar. Apago as luzes e já não faço parte. Nessas horas sei ao certo que não gostaria de viver aqui. Sem novidade qualquer, confetes na varanda, lua cheia ou promessa pra depois. Arrastada, vejo pedaços meus ao chão especulando a primavera através das janelas altas. Inalcançáveis. Na minha boca, ecos do gosto doce. A voz. A lágrima. O ziguezaguear. E toda a verdade íntima e nua que, por ora. só eu sei...

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Sem fim

Eu aturo todas as verdades frias sem me manifestar. Gosto de brincar de ser dura comigo mesma, pra dar pano pra esquizofrenia por fora de mim. Ora, em meio ao caos que não respeita o limite de lugar algum (nem para além das Américas, como ouvi no telenotícias) assumo a pedante posição de alguém que luta apenas por um outro dia qualquer: acordar, banho frio, clic clic contra a mesa, tiquetaquear de horas sem fim. Meu maior bem é a poesia, que nesses tempos dorme. Sono profundo e bom.
Não sei se por cansaço ou sorte, tenho difiuldade em me impressionar com as coisas ditas impressionáveis. Eu, figurinha clichê cheirando a meia idade. Impressionante mesmo é quando se está em absoluto silêncio e algo te faz sentir. Sejam 324 metros ou 1,57. Tanto faz. A verdade é que enigmaticamente sonhos se constroem e desabam diariamente, e eu os vejo ser como se sentada na calçada da porta de casa à espera do vento que tarda em passar. O meu mundo gira em torno de um grande vazio, órbita de lugar nenhum. Sou mar de desassossego, e enquanto penso sobre o nada, deixo-me banhar da dúvida sobre o que realmente importa. Nunca há de ter fim.
Esses dias aprendi a admirar copos de leite num arranjo só, porque nem todas as primaveras são feitas de lírios.