domingo, 29 de julho de 2012

Monet

A minha ilha hoje abriga os ventos frios da dura constatação de que, sim, eu sou um ser só. Vento que sopra o ar seco dos seus cabelos, que perderam o perfume para os suspiros de outro alguém. Dissabor. Existo enquanto fonte de sonhos melhores do que eu sou agora, motivo maior para eu sair do lugar comum e crescer. Mas nada tão óbvio me veste bem, a verdade é que eu espero palpitação, suor gelado, hesitação... E o que tenho é parede de tijolos frios.  Habito um pedaço de terra onde só cabe eu, um ego restrito, talvez não tão restrito assim. Há uma ilha vizinha que costumava soprar vento doce, cheiro doce, mas agora não chega nem perto de mim. Desenho uma casa de vidro, de onde posso admirar todo o esplêndido, sem tocar. Sem sentir. Sem nunca mais arrepiar. Porque já me disseram uma vez, a gente muda, e traz junto uma sacola nova de prioridades. Talvez agora eu precise apenas de paz.  Não concordo com meu pensamento racional de que ser só é, para além de uma escolha, uma constatação. A verdade é que a gente tem uma sede perene em dividir, porque só assim aflora o que há de extraordinário do lado de dentro. Sou mais bonita quando choro olhando nos olhos. Meus olhos tristes sendo vistos por um alguém que faz valer, palpitação, suor, hesitação. Clichê. Paixão. Vento que hoje sopra sem saber, me leva.

domingo, 22 de julho de 2012

Eu sei que ainda vou voltar


Olho no espelho e vejo todo o gasto. Distanciada dos muitos papéis, os ocultos e explícitos, o que eu sou é o que eu escolhi ser. Não há verdade nem mentira em mim.

(Quando eu vou matar a fome apenas com a ciência do que eu devo saber?)

Vejo uma ladeira sem fim, e penso apenas em descer por ela, para lugar nenhum. O meu maior desejo agora é descer por essa ladeira sem rumo, sem necessidade de entendimento ou fato. Apenas ir e descer - mas minhas pernas estão presas à ausência de algo que eu não sei.
...

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Para a parte de dentro que parece dormir.

Quero marcar um encontro com você. Você, ou eu mesma, naqueles dias em que o mundo era bom. Quero entender o motivo do riso, o riso sem sentido, o riso pelo simples fato de rir. Quero aprender a ouvir música outra vez, decorar frases soltas que parecem ter voz, sublinhar trechos cotidianos que descortinam os mistérios tolos e óbvios num quase raio de luz. Quero te olhar no espelho e encontrar seus cachos soltos, seus dentes todos à mostra sem vergonha, seu olhar debaixo de uma linha marrom. Seu perfume cheio e doce. Você, inteiramente doce.

Quero te encontrar naqueles dias em que você se dá contenção, colo, carinho, papel toalha. Essa habilidade grande e rara de cuidar de si mesma, olhar para dentro com um pouco mais de atenção, de paciência. O exercício de saber respeitar seu próprio tempo. Esse potencial secreto de ser incrível, em silêncio, caneta e linhas em branco, poesia, sonho, inspiração.Essa você, que eu costumava ter.

Aqui jaz um corpo que pertence a você, e somente a você. Que te aguarda cheio de saudades, e transborda de amor pelo que de fato faz valer cada um desses segundos mortos. Canto uma canção de ninar, para que quando acorde, volte.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Crua

Não adianta perder aquilo que te serve, nem deixar que escorra o que lhe é essencial, as coisas simplesmente correm como devem ser. A noite foi feita também para os justos, para que travesseiros ouçam e sequem, para que o tamanho das coisas diminua até que fiquem pequenas o bastante a ponto de se fazer dormir. Hoje o som está tão alto que eu percebi não haver remédio. Fico pensando na diferença que faz minha "grande nobre" intervenção no mundo. Tenho medo do gosto amargo diluir o quanto eu me importo, deu sentir que entre o nada e o tudo não existe tanta coisa assim. Já me vejo abstenha, oscilante, desconfortável. Estátua. É doloroso o que não se pode fazer, ainda mais a constatação de que a dor é perene, âncora crua dos fatos... Reticências. 

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Hoje estou pintando meus brincos de tom de pele, torcendo para que as luzes do dia se mantenham apagadas. Hoje estou fazendo desenhos em folhas de papel rabiscado, desejando evitar as vozes ao redor que insistem em perguntar. Sou a lágrima no rosto duro de pedra. Não entendo muito bem o que esperar do ego que me sopra forte no pescoço, aqueles anseios fortes de menina teimosa, que vivia ao contrário por insistir em acreditar.  Hoje acordei cinco minutos depois, a roupa de cama com cheiro do sabonete de longe, nenhuma expectativa em relação ao levantar. Não comi, nem chequei as mensagens, desejei que ainda fosse daqueles dias de não vir. Hoje eu sei que não vai haver sol, nem vai haver recordação doce com gosto de fruta que escorre pelo canto da boca. Hoje eu acordei às quatro da manhã, corpo nu e roupas pelo chão. Espalhada. Pensei que tudo poderia sim, ser uma boa idéia, mas não tive muita certeza. Repeti a rotina dos dias que não têm muito a acrescentar: levanta, vem, fica, fica, fica, fica mais, volta, come, dorme. Hoje eu permaneci com a sensação de que eu deveria chorar por algum motivo que eu não sei. Minhas mãos e bochechas queimando um calor de algo que precisa sair, e não tem forma. Encontro alguém que me olha como se soubesse de algo que não sei, e eu peço apenas um pouco de atenção. Mas logo desisto de tentar. Hoje eu acordei lembrando de ontem à noite e ri sozinha, pus uma música alta e cantei debaixo do chuveiro. Hoje eu decidi comer brigadeiro no almoço comer pipoca no jantar, não mais telefonar. Decidi desligar por um instante, luzes, cartas, sonhos, e esperar tempo suficiente para  amanhã amanhecer novamente.. 

domingo, 1 de julho de 2012

Pelo completo mês

Esse tudo que eu não sei me cobre hoje de nada. Eu escrevo as minhas palavras todas para você, que me lê olhando dentro dos olhos. A corrente deitada no pescoço nu, pescoço com cheiro de mais, blusa preta de sempre, paladar de casa. A minha poesia hoje tem cheiro de roupa que fica por muito tempo no fundo do armário, uma certa melancolia, a sensação boa do velho que continua ali, confortável. Sem pretensão, sem surpresa, sem novidade - só o que é, a verdade e o fato. Egoísta vontade, essa deu querer satisfazer o desejo do toque, tocar com os lábios, prelúdio de um beijo não dado que vira alimento da noite inteira. Esse direito não cabe a mim, mas pretenciosa que sou, permito-me ainda mais. Escrevo.  Sem esperar, espero um convite para ir àquele boteco, tomar a mesma cerveja com pouca cevada, parar no mesmo sinal que provocou todo o delírio da última vez. Espero que mande uma mensagem reticente, cheia de significado. Ou até que diga não querer, usando como justificativa a filosofia barata de um autor clichê - mas que agarre meus cabelos, minha nuca, arranque meu perfume para você, minha pele inteira sua.  Acho que você vai me desculpar, pela milionésica vez, por eu ventar desse jeito assim, quente e frio, leve e denso ao mesmo tempo. Vento que arrepia suave, mas sopra forte, meio desajeitado, fora de hora. Imprevisível, mas perene. Vento pra se deixar levar. Esse não é um pedido de nada. Nem um manifesto, menos ainda um recado. É só uma doce contemplação do mês completo, por ele permanecer existindo suavemente atemporal...  Sorte minha.