segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Manhã

Evasiva. Excruciante. Confissões para um copo de água, a dor de estômago aguda, a iminência da lágrima. Sinto na testa uma onda de tensão, que não sabe onde se inicia, nem sabe o seu fim. Culpa. Sono. Cadarços verdes nos pés de um moço imóvel, nem a mosca ousa lhe ser um incômodo. Estática, desejo que seja transmissível.
Eu precisava de um mantra, e vim aqui descobrir. No cheiro de livro novo, nas almofadas que abrigam bundas de todo mundo. Sou mais uma bunda, que carrega essa cabeça cheia de sentimento. Meus sentimentos hoje estão guardados na caixola.
Ando muda.
Vou sair pela porta, tomar um ônibus, descer na frente de casa com os pés cheios de bolhas do sapato alto. Pouco importa. Vou falar um bom dia, e outro bom dia, e contar como foi a tal festa, daquele jeito que todo mundo espera, e no fundo não quer ouvir. Vou continuar muda. Vou ter vontade de chorar. E vontade de rir, pelo segredo que carrego, uma satisfação em ser eu, apesar de tudo.
Se eu pudesse, moraria nessa almofada cor de rosa. Mas não posso. Preciso calçar os sapatos. E caminhar muda.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Ensaio do silêncio

Eu sou o silêncio, o vácuo, o não existir. Em dias assim, o aperto é mudo. A distância é tanta que nem enxergo o que há entre meus pés e o mundo. Nada basta, nem a vontade. Deram uma rasteira nela - sobrou apenas a teimosia triste.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Libélula

Você, que nao quis dizer até logo, nao quer logo menos, nem quis dizer logo mais. Você, que achou que eu não merecia respostas, ou achou que eu não merecia simplesmente saber, só pelo gosto da dor que o não saber traz. O desprazer. O des-saber. O dissabor. 
Eu, que acordo atordoada com as possibilidades todas, e ao mesmo tempo nenhuma, que olho ao redor e procuro me distanciar do amargo da manhã, resquício do azedo de ontem à noite. Uma manhã que, como eu havia dividido com você, tinha feito promessas de me trazer o sol. E eu acreditei. Mas você não quis dizer, não quis ao menos saber. 
O meu apartamento, com suas paredes ocupadas com meus mil falsos encantos, minhas caligrafias rasgadas pelos cantos, minhas bijouterias antigas de quinta categoria. A minha fotografia descartável, se confundindo agora comigo mesma - eu mesma, descartável. O meu apartamento, que escancarou as portas com sorrisos nem sei de quê, deixou entrar pelas janelas um cheiro nem sei de quê, mas que você sabe. E não diz. Tem tanta culpa quanto eu, apesar deu me saber tendo mais. 

Sobra em mim um bicho, asas longas e vôo veloz, triste, que mora perto das águas. 

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Hopeless place



Depois da dor, vem uma música com batidas cheias de pulso e ritmo. Luzes, muitas luzes ao fundo, o manifesto do deixar-se ir. Eu, na minha pitada malagueta. Às vezes esqueço que ela existe, e quando reexperimento o seu sabor, arde. A vida se dá em momentos regados a uma bebida forte.
Cabelos soltos acompanhando o rodar das ideias, sangue das vísceras escorrendo na boca. Sede. Movimento nervoso, grito surdo, e frio. A Língua é deliciosa em horas como essa...
Tento compreender pensamentos hiperfuncionantes de um doce mistério. Faz todo o sentido, mas decifrar para além da conta faz perder o gosto. Quando há de haver necessidade? Quase pretenciosa, durmo ensopada de um sabonete que não sei o cheiro. É segredo.
Hoje acordo à convite do sonho, cansado de sonhar. Arrasto a barra no chão de uma saia cor abóbora, blusa cor abóbora também. Ney, fim da saudade, um pente pro cabelo e um pouco de sorte. A minha casa é pequena e não tem cara de madrugada.
We found love in a hopeless place.

ps- Ao som de.

domingo, 20 de novembro de 2011

Inacabado

Hoje alguém do meu passado reviveu, e trouxe o gosto de velhos hábitos. Entre oito e oitenta, sou mais para mais. Sempre fui. Estou naqueles dias em que nada serve, a música não encontra o volume certo, a camiseta apertada demais, o branco do vestido muito mais branco que quando escolhi, ontem. Vejo uma foto e outra, gosto, talvez. O tempo não passa, mas se passar, não tem o que responder. Agora deixo que me achem. Destino, é a sua vez.
Ao invés de crescer, fui encolhendo no meio do caminho. Nesse exato instante sou apenas uma anedota. Nem garbo, nem elegância, só um borrão para se ler entre um espirro e um assoar o nariz. Relembro incensos acesos molhados de vinho, dobraduras com frases minhas, noite inteira no sofá. Tudo longe, muito distante - outro continente. Suspirosa, percebo o quanto estou cansada de mim.
Se é para ter sentido, esqueceram de me avisar. Por enquanto, deixo em aberto. Inacabado.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Minha

De repente, sou uma moça. Sentada na sacada de um prédio velho, olhando para a rua sem nome. Gente sem nome que anda. Sentimento sem nome.
Ele fugiu com a Pagu, foi o que me disseram. O homem me encara sentado, com o seu barrigão gestante, criando a poesia. 
Estou agora no segundo moça, açúcar ou adoçante? Mal contei as gotas, mal chorei as lágrimas. Corre discreto um teco de sol, um esboço de riso à saia azul. A cadeira permite espreguiçar, e eu dou tempo ao pensamento. Não estou muito longe, mas chego a Marte, vagarosa... 
Eu gosto particularmente das pessoas, enquanto testo a acidez do café. Amarga estou eu, olhos sempre cheios, olhos tão vazios. Existe uma urgência no ar. Para lá, para nada. Na mesa ao lado, mãos, lápis, caderno, blusa branca. Nenhuma percepção. Só espero um soar, em vão. Tímida em meu desejo de esconder ainda mais, de escancarar em dividir. Não vou sair do lugar.
Corações partidos, partilho do medo de nunca mais ser. Uma trança num cabelo crespo que amarra os laços e custa mais que a intenção. Às vezes o melhor é calar. Sinto saudades de mim.
Minutos contados no relógio correm tempo nenhum. Quase tudo me faz chorar, o rosto bonito de uma velha cheia de cabelos brancos, com o lenço dourado agarrado ao pescoço. A evitação e a vontade. O pedaço da canção que fala a verdade. A escada. 
Se pudesse, marcaria com grifos rosa choque quase todas as linhas desse livro de sebo. Todos os fatos da vida são muito curtos. Um piscar e já virararam luz.
A terceira moça não sou eu. Estendida sobre a cama, sonhos esgarçados e espera. Miragem...
Açúcar ou adoçante? Nem uma coisa nem outra. Sem nada.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Três

Nem todos os dias são de ganhar, nem todos os dias são de perder. Encosto-me na cabeceira, frouxa dos pensamentos que se esvaem pelo vão entre a dor e o resto. Entro hoje num trem para lugar nenhum. Essa é a minha nova invenção, um trem que só vai, que não chega nunca. Aprendi a pilotar um trem. Sem temer. Sem abrir os olhos ou colocar as mãos. Pus um chapéu azul, distintivo no peito, e parti.
Foi grande a minha coragem, a minha picaretagem, o meu dançar bailarina - ponta dos pés , panturrilhas rígidas, bunda pra dentro, peito pra fora! ...E um, e dois, e três, e um! Infinito. Leveza é mera ilusão. Entro agora na minha geringonça atrapalhando até os passos. De pliés, passés e pointé, sobra só o tropeço. Engatinho. Não sei mais andar. Para trás das cortinas, é tudo escuro e frio.
Quem sabe hoje é o meu dia de sorte. Foi numa jogada de pôquer que barganhei as passagens.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Delicada.

Mistura boa essa, cds, cerveja e pingos de chuva. Não há começo. É bom o suspiro do renascer. Minhas mãos inquietas escrevem uma verdade, dentre as tantas outras que não deveriam ser ditas. Eu digo mesmo assim. Com os olhos. Se houvesse um batom vermelho na boca, deixaria uma marca, e morderia em seguida apenas para me certificar.
Vivo hoje um pedaço de música, a promessa pintada do me-deliciar. Nunca é demais. Eu, pretenciosa num perfume quase mel, me deixo escorrer, lambuzada com o tempo, tomada inteira de saudade. Dama do fim de tarde, dama da noite. Numa rua que não tem fim, em cada canto uma meia luz, encontro brotando do chão bruto, definitivamente, mil e duas flores. Se pudesse, levaria uma para o quarto de casa.
Paris há de existir pra sempre, e nela cabem horas apenas felizes, histórias contadas por alguém numa casa de vidro. Uma casa aqui, com gente dentro - e vida. Um gordo. Um quadro. E eu, entrando pela porta do lado, sem nem bater.
Cabe em mim, nesse exato instante, agora, recordações delicadas, sutil indecência Beauvoir...

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Lírios.

Agora eu sei que comida japonesa dá a sensação de se ter um peixe vivo dentro da boca. Que mãos pequenas e delicadas sabem segurar de um jeito forte, enlouquecedor. Que além dos baianos, muita gente gosta de comida com pimenta e dendê. Menos pimenta, mais dendê. Que um perfume pode ser tão sedutor quanto um olhar. Agora eu sei que mesmo numa cama muito grande, mantenho-me encolhidinha de um lado só. Que uma luz vermelha num rosto misterioso faz perder todos os sentidos. Que beijos no carro são transgressões justas quando se tem ansiedade. Que meus olhos apaixonados enxergam apenas os lírios. Que estereótipos servem para afastar as pessoas, e que conhecê-las faz com que não se queira ir embora. Agora eu sei o que é ir embora sem querer.
Agora eu sei que ir ao mercado comprar Nescau é algo de que terei saudade. Que camisetas com laços servem meninas de mais de 20 anos. Que uma foto vale mais que todas as palavras. Que sofrer por amor vale. A rotina vale. A partida vale. Agora eu sei que cafés de Domingo lendo jornal nunca serão o que eu gostaria que fossem... Mas também sei que sempre terei o gosto daquela cerveja na garrafa, e da sensação que veio com ela. Que é possível se arrumar em 15 minutos e estar impecável, e que é possível simplesmente não acreditar que está ali, ao lado.
Agora eu sei que impulsos fazem correr ruas escuras na madrugada. E entrar sem pedir licença. Que sanduíches aparentemente grandes demais têm o tamanho certo para uma tarde sem fim. Que canetas nunca são apenas canetas, e por aí vai. Agora eu sei que correr uma maratona é um sonho grande o suficiente, e que alguns gestos simplesmente não podem ser agradecidos nunca na vida. Que choro no corredor não é sinal de fraqueza, especialmente quando há alguém do outro lado com quem se pode ser honesto. Agora eu sei, e guardo pra sempre,os corações ao alto...
Agora eu sei tudo o que pode acontecer num apartamento gigante. E tudo que deixou de acontecer. E tudo que ainda penso que aconteça. Sei de livros com rabiscos discretos, sublinhados vermelhos, dedicatórias pequenas, dedicatórias extensas. De uma mão dentro da outra. Agora eu sei que depois de um dia vem o seguinte, e com ele vem a espera por algo que não vem.
Agora eu sei que minhas palavras são pequenas demais, que eu sou pequena demais, mas que me torno um elefante diante de algo que me faz sentir. Sei que o meu peito vai encontrar paz, assim que encontrar resiliência e entendimento - e sei que isso pode nunca acontecer. Mas sei também que viver intensamente me faz experimentar um campo de lírios perfumados a cada encontro, esse sonho bom do qual não quero acordar.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Retrato

Senhora de mãos para cima, gritando sua prece
a saia no couro enquanto ela desce.
ê maculelê.
Menina de olhos distantes, sozinha num canto,
desfaz o seu manto, sente que não merece
No fundo, no fundo, a Bahia está logo ali.

domingo, 30 de outubro de 2011

"...E o meu perfume na rosa dos ventos..."

Meu corpo nu, solitário, numa cama pequena cheia de cobertas. Essa noite é de silêncio, de barulho de chuva e escuro. Tento não pensar, mas meu corpo não deixa. Me invadem pensamentos sussurrados, lembranças doces de um beijo, aquele beijo, e todos os outros. Os olhos que piscam à convite, o lábio fino que preenche, a delicadeza do toque. As milhões de coisas ainda não ditas, a começar pelo desejo, e o seu acontecer sem limites, sem tentar segurar o impulso involutário da pele. Quando o sono vem, ele traz a paz de mãos dadas.
Menina pouco contida, quer levar cor a uma noite sem estrelas. Presa em sua própria armadilha, a fada madrinha agora tem olhos sem promessas. Resta o caminho inteiro, passos condicionados pisando uma terra seca sem outras surpresas... Ilusão achar que não estava sobre cordas bambas. É quando vem a chuva molhar o rosto, trazer o riso, florescer os lírios e o esquecido. Caem do céu palavras em forma de poesia. No riso, a lágrima, cachos de três cores diferentes misturados a um preto cor madrugada. As pernas como entrelaço, cobertor de gente, transformando em verdade a urgência. Pra fora da janela não existe coisa qualquer com importância.
Menina muito contida, tamanho contido, vestido contido, transformando a noite fria em fogueira ardente. Fala menos com a voz que com o resto. Marcas discretas no rosto porcelana, sem a menor pretensão de parecer menos forte do que realmente é. Pálpebras leves guardando os olhos, permitindo que o cheiro, e só ele, invada o espaço e sirva a que veio. No pulso firme não há relógio, não há pressa para que se dêem os fatos. Tudo ao seu tempo, contrapondo o ruído de desquilíbrio ao redor. Monstros que cantam a sua sinfonia, respeitando a ordem natural em que a vida impõe os fatos. Sobra o que se tem agora, e o que se tem é o beijo. Enquanto possibilidade, ele é melhor que tudo.
Você que me faz cantar...
Para além da boca há o seu nome.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Repercutir

Gosto dos óculos e da roupa preta com sapatilhas baixas, miniatura. Dos olhos pequenos desviados para o teto, tentando pensar um jeito de não se deixarem tão facilmente transparecer. Nos cômodos todos, livros, livros, uma foto do que foi, do que deveria ainda ser, e um monte de santinhos lembrando sempre a mesma prece. Há ali um silêncio que preenche todo o espaço, sussurra os passos pelos cantos, e revela nua a alma.
Uma flor cheia de intenções habita a garrafa de água fresca em cima da mesa. Na geladeira, lembretes de restaurantes, desses que facilitam a vida dos que não têm a perder. Há lembretes por toda a casa. Lembram da dor, da solidão, do ar irônico, da doce timidez, dos pensamentos trêmulos, do quase desejo. O espaço todo na verdade é o labirinto - quando se adentra, não há como sair. Nem que se queira.
Mais fácil assim, à meia luz deixar que as estantes falem por si. Mesmo para observadores ruins, a voz viva grita tão suave seus deliciosos segredos, que não há como deixar de ver. De todos os sentidos sutilmente explorados, restou apenas a iminência do toque. Ah, o toque... Riso e choro se confundem na mais honesta manifestação do que habita o peito. OS subterfúgios não servem mais para nada. Diante de uma imponente idéia quase amedrontadora, desconstroem-se todas as defesas, e agora, às quase duas, é um caminhar leve sobre as águas.
Aguardo o despertar de quem decidiu não fechar os olhos. Porque fechados deixariam de ver através da doce sensação de se sentir inteiro, eles que não desmentem mais o jogo de palavras. Sim, repercute ainda agora em mim. O secreto explícito discurso do olhar...

domingo, 23 de outubro de 2011

Desobtuso

A outra cerveja já foi por conta da imaginação. Exercício bom, esse de dizer absolutamente tudo sem nem ao menos falar. A tarde longa estendeu os pensamentos, que vinham leves e saiam mordiscando a boca. Criou-se, então, uma lingua só dali, pra nem antes, nem depois, nem mais ninguém. O que importa é o instante agora, absoluto.
Olhos rasgados, discurso afiado, palavra rasgada- querem me desafiar? Eu topo o desafio. Entendo apenas as meias verdades, o quase recado, mas as entrelinhas são um convite forte demais para se recusar. Finjo que entendo o resto com um sorrisinho de canto de boca. No fundo, sinto que sei... Misterioso ar de quem carrega uma delícia de ser dentro de si. E mostra apenas o que quer mostrar...
Ouço uma música dessas que fazem valer a vida inteira, penso no momento em que senti ali, no copo e no rosto, o mundo todo. Gente de alma grande faz a gente voar. Mantenho o gosto do jogo doce de advinhação, entre outras coisas mais, esse resto sussurrado, dito baixinho demais pra ser ouvido sob a explícita assim, tão ruidosa. Sorte de quem sabe, por fim, a boa arte de ler lábios, quem observa para além do óbvio. Para além da boca há...

domingo, 2 de outubro de 2011

- Em andamento -

Tentaram me conter, colocaram-me numa forma e me levaram ao forno quente. A sensação morna me bastava, e foi justa por um tempo longo demais, até eu me dar conta de que calor e frio, medo e angústia, atrevimento e prazer, tudo isso ao mesmo tempo, me leva a um lugar muito mais meu. Quando pensaram que eu estava quase pronta, no quase decidir de uma vida inteira, percebi que não sou feita de quases. Ou pelo menos não os definitivos. Eu quero menos, quero mais, o meio-tropeço, e nessa batedeira inexausta, quero encontrar o ponto onde cabe a mim, corpo, alma e coração. Sem pré-fabricação, sem sonhos grandes demais e de plástico. Nada que não seja meu;
Vento grande, dono de todos os por quês, sabe antes mesmo da verdade a verdade do coração. Pra onde vai me soprar? Habito um ponto dentre esses muitos de luz longe, ergo uma estrutura concreta e fria de indecisão e medo, agonizante. Nada definitivo ou óbvio demais. Planta de raiz forte essa minha vontade de escolha, meu desejo de voar. Fé e pertencimento. Qual é a direção – há de haver uma certa? Uma para mim?
O espelho já não responde mais minha inquietação. Enquanto isso, falo baixinho, esquivando-me da necessidade de me fazer ouvir. Se eu pudesse, vestiria apenas a minha coragem e iria ouvir outra língua, outra cor, outro tipo de café da manhã, pés no chão, mochila nas costas, em busca de gente, de inspiração. Das incertezas todas me resta apenas a convicção extravagante de que desfrutar da vida, no fundo, é estar com o mundo, com os outros. Disso que eu gosto, e sei. Raro sorriso de auto-percepção...
Apesar de bordas claras, ainda me vejo misturada ao meu carinho que aguardo entrar por essa porta. Misturada a uma das rochas do lugar de agora, eu, onda que bate e volta... Já não sei construir castelos.

domingo, 11 de setembro de 2011

Flores



Menina de saias longas voando ao sol, e sua menina vestida de luzes. O mar longo, todas as possibilidades desse infinito que só pede paz, fé e som. Mil cores misturadas em um arco-íris que termina no riso escancarado, olhos rasgados ao ver o azul imenso cheio de tom. Essa terra tem cheiro de terra, tem um calor do batuque ritmado chamando pra perto, invadindo o corpo e o que há além. Aqui a alma é grande, o resto é o maior que pode ser. O medo dela, que antes escondia os braços, atava o peito e as mãos, agora se dissipa em meio aos pressentimentos bons. Tudo são flores...
Na noite quente, uma cama pequena onde cabem os suspiros inteiros, os dois. A história dos santos, donos do povo que grita aqui a liberdade de simplesmente ser, é repetida na boca de quem já viu de quase tudo. Há um feitiço no ar, no céu que abriga luzes piscando seus milagres, esbanjando o hálito da madrugada sem fim. Só se canta o amor, e o canto toma todo o espaço.
Meu beijo tem gosto de mar e pegadas na areia. Uma onda que ruge os ciúmes de Yemanjá, mas que abençoa com sal a pele clara, a pele escura. Longe, bem longe, o sol vai caindo por trás das nuvens, aquecendo o abraço, concha de gente. Dias como esses ficam guardados num potinho de vidro na estante de casa, dentro do bolso da calça, debaixo da escada. Explodo da sensação que impulsiona outra busca por algo assim, suficiente para fazer valer a existência.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

[Em entendimento]

Se for me pular da tela do computador, que o faça agora, urgente. Ou se quiser entrar pela janela, arrombando os vidros e a inércia. Ao meu redor, grades feitas de ar pesado, inquebrável. Colocaram-me um potinho com água doce, folhas verdes e grãos, um cantinho para dormir, nada além. Cortaram-me as penas todas, as cores, desaprendi a cantar.
Falo comigo mesma, presencio a conversa triste de botequim no fim da noite, na antemanhã, precipitando o silêncio do tudo outra vez. Sinto o vento fresco da véspera do dia seguinte, sem consolo, sem possibilidade de desculpas ou omissões. Livre constatação, que mantém sob portas trancadas por arbítrio próprio.
Já não há lágrimas, porque até elas estão atadas. Um passo e outro passo, tudo dentro de um caminho previsto, enfeitado dos diversos tons de cinza. Não há premissa ou qualquer tipo de intenção- simplesmente sigo abstenha incapaz de, de fato, decidir. Essa essência dita gigante, que cabe dentro de uma gaiola.
Que saudades eu sinto...!
...
[ Saudades de algo que não tenho, não vi, não senti o gosto. De uma língua que não sei falar, de uma surpresa que me tirará o ar, de uma fruta que não existe. Saudades de um filho, de rugas no rosto, de uma casa em que nunca morei. De uma canção de amor ainda não escrita. Saudades de grandes montanhas que tocam o céu, no fundo do quintal. Saudades de vestidos que nunca usei, e perfumes que nunca usei, e sorrisos que nunca usei. Saudades dos senões que ainda nem pensaram em existir. Saudades de olhos que não viram os meus, mãos que não tocaram as minhas, noites de descobertas que ainda não fiz. Saudade de um cheiro, uma flor, uma rima torta com sentido. De uma viagem que ainda não planejei, de um senhor que não conheci, um palhaço com quem não tive coragem de falar. Saudade de uma lua que não admirei ao lado de alguém. Sabe... Saudade até daquilo que tenho saudade. ]

"...Já não vivo nem morro em vão..."

Hoje, exatamente hoje, faz três ou quatro meses que meu parágrafo mudou. Sou tomada por um assombramento inquieto , pelo tamanho do sentimento que ainda reside em mim, mais novo a cada dia. Como se ainda fosse possível... Se eu fechar os olhos consigo tocar a felicidade, esse algo palpável, digno de ser vivido de pés descalços, mar, areia, cabelos ao vento e poesia. Tento me convencer de que mereço a sorte de sentir desse jeito intenso, que me deixa sem escolha, que me umidece os olhos, palpita o peito, arrepia suavemente os pêlos da nuca. Olho muda, perplexa, e com o encantamento digno de descobertas milenares, a minha canção em forma de gente.
O verso agora está dentro de mim, se expressa em meu riso cheio de paz e medo. Corro contra o tempo, contra a estase imutável das cores sem vida, porque hoje meu senso pede que eu exploda, mesmo caminhando contidamente calma, dentro da guia. Se pudessem enxergar para dentro, veriam que eu levo comigo a fonte doce do querer maior que há. Ah, que vontade de deixar ser, sem prerrogativas, sem pausa inspiratória, sem amanhã. Finalmente, a minha sede vira fruta cheia de mel. E arde.
Encontro a minha boca sussurrando um nome, há três ou quatro meses fantasiado de meu. Não me importo com o tom bobo envolvendo meu cenário de deleite. É o real que me inunda nessa dança a dois, cheia de balanço e saudade...

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Melancolia

Há uma coisa rústica no meu mundo, apesar dos avisos vitais de modernidade. A tecnologia pisca suas luzes e sons ao redor de mim, que estou toda encolhida dentro de um chapéu de palha, guardada num baú empoeirado e alérgico. Tomo o café a goles largos e calmos, quente. Poderoso sabor que me toma... Esse é o momento de viver a descoberta de ontem, que fiz ao sair espremida de um casulo apertado, lagartixa que regenera sua cauda. A introspecção dolorosa, mas vivenciada sem desespero, me soa hoje quase como um ato heróico. Eu sei das minhas próprias armas. Para além da limitação.
Dei a luz a um impulso egoísta de não me envolver, de deixar fluir sem que eu faça parte. A perda de objetos antes inquestionáveis me é tão seca quanto úmida, que presevo o direito de apenas observar, calada, minha nova forma de interação comigo mesma. Com o outro...
O relógio de pulso apita a urgência de uma tarde sem pressa. Dentro de uma sala escura, com uma história brilhando da parede, aceito a necessidade da pausa para o não-pensar. Estou tão para dentro que os meus olhos estão virados. Agora sou eu quem quer preservar a distância, a fina camada de defesa do que é só meu e está querendo sair. Um mundo inteiro gigante e novo, como se eu precisasse colocar um asterisco logo acima do meu nome. Não é apenas um adendo- dessa vez, até o espelho me engana. E eu pessoalmente estou satisfeita com essa velha estranha que se apresenta a mim com um ar resignado e leve, uma cicatriz justa no peito e a melancolia no perfume...

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Meus mares

Doce a minha solidão, que me faz chegar a gostar de mim, do que está guardado com uma potinha de quase-dor. Meus dias têm sido o prenúncio de um banho de mar, ondas que vão e vêm, suavemente, calmas. Parei de sangrar, parei de ferir meus próprios sonhos. Tudo ao seu tempo, eu simplesmente vou, tudo é meu.
Respeito o meu direito de caber em mim, minha própria caixinha de lenços perfumados. Um filme antigo à espera de ser visto, rabiscos com a letra ilegível, flores semi murchas no vaso em cima da mesa. Esse é o mundo ao meu redor, grande o suficiente para abrigar toda a minha necessidade de agora.
Vivencio à meia luz uma paixão sóbria, meu bem, meu mal, alma, coração. Tenho tempo de respirar, de pedir permissão ao sentido antes de morrer de sentir. Sou sussurro, poeira assentando no chão, algodão. Tenho desenhado borboletas cor azul, a forma de falar o silêncio... Dias em forma de luz clara, como um amanhecer constante. Até a angústia tem ardor mais leve, um ar elegante de quem vem apenas para se fazer lembrança... Mas nada leva nada, me deixa inteira, na discreta dúvida do que realmente fazer com tudo de mim, o agora, o antes e o depois.
A noite é curta demais pra esse desfrute leve, interior, entre quatro paredes. Gosto dos ruídos de luzes que piscam longe, mimetizando a vida que cabe dentro do espaço de cada um. Todo mundo assim, como eu - tão diferente... Não há lugar para o estranhamento do mundo. Aprendi que é confortável estar com as múltiplas de mim. Com a eu de fato. Medos, vertigem e sede. Aproprio-me do encantamento de não-saber, mas de ser óbvio. Dicotomia sabor alecrim. Simples assim...

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Ébano

Ele tinha olhos pequenos pro tamanho do desejo que guardava. Tinha dentes alvos, preenchendo a boca grande, o riso alto que enfeitiçava meus ouvidos. A lembrança me vem ainda na cama, hálito sabor de ontem, com cheiro de incenso de lavanda. O sol invade as cortinas, minhas frágeis arestas, a música do vizinho avisa que o deleite pode ser vivido ainda sozinha, ainda entre as cobertas.
Ele tinha um nome, mas eu dei um apelido que era só meu. Encheu o meu copo uma, duas, outras vezes em que deixei de contar. Mel e limão. Batia uma mão na outra fazendo o batuque para que o meu corpo dançasse, e eu tremia com a urgência do meu desejo, furacão.
Pele cor carvão, em brasa.
Misterioso ar da noite, que me apresenta a mim mesma com uma nova identidade. Homem pavão, penas e braços pra cima de mim. Em cima de mim. Eu me esquivo arrastando parte do perfume comigo, entrando no jogo sem a menor intenção de ganhar. Ele chega mais. Forte. Não há mais frio, nem ninguém. Eu desminliguo.
A dança agora é só para um.
(...)
Ouvindo "Man Down", Rihanna

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Evasiva.

Tenho ensaiado uns rabiscos que não sabem bem o que querem dizer. Minhas palavras me dão soluços. Chego a pensar que é indiferença minha não estar explicitamente explodindo, coisa rara essa contenção inconsciente.
Não consigo viver por muito tempo assim, rondando o mundo do tédio, esquivando-me para não adentrar. 
Não gosto de espera, nem de indefinição. Certezas como o sorvete derreter em dias quentes, o elevador me entregar na porta do apartamento, a chuva vir de cima para baixo são tão substanciais que me são inquestionáveis, ansiolíticos homeopáticos e indispensáveis. É o que me mantém sóbria. Quando perco a capacidade de prever o próximo passo, automaticamente perco o chão, o status de pseudo-equilíbrio que imponho aos meus dias iguais.
A questão é que no fundo, no fundo (e falo isso sussurrando, perto dos ouvidos e olhando para os lados), sei que esses fatos absolutos não me convencem, não me bastam mais. São tão reais e claros que não me inundam de emoção. Peço perdão à parte de mim cheia de subterfúgios, mas eu necessito de um drama. Leve, mas trágico e cômico por definição. O sentimento bruto, pouco lapidado, nada compreendido. A mosquinha zonzando ao redor da cabeça, que não me deixa esvaziar o pensamento. A Inquietude. Uma (que seja) lacuna na razão...
Não me entendam mal. Pequenas coisas diárias carregam em si um grande potencial, sim, porque a expectativa é baixa quando se olha todos os dias sem ver, e de repente, sem esperar, enxerga-se. Gosto demais do arco-iris na chuva que cai gravitacionalmente! Mas projeto no mundo uma injusta, imensa expectativa- a de me fazer irradiar! Explodir! Um estado quase hipomaníaco e contínuo de interjeição! Como se esse fosse o jeito de sair da anestesia rotineira e sonolenta, do estado letárgico de repetição...
Já me perdi nos pensamentos... Não tenho argumento, nem pé, nem cabeça. Não sei o que quero dizer, se é que quero dizer alguma coisa. Mantenho esse meu soluço, até então intratável, e secretamente sei que estou no aguardo de um susto...! Um susto Dos bons!

terça-feira, 26 de julho de 2011

Efêmera..

Acordo todos os dias, ligo o chuveiro até a água esquentar, lavo os cabelos e os prendo no alto. Independente do pensamento prevalente, isso é algo só meu, meu ritual diário que me faz lembrar de mim. Hoje resolvi ir um pouco adiante, me dei ao desfrute de ouvir música durante o banho, pintar os olhos com lápis verde, usar uma roupa que ainda tinha etiquetas. Esse é um discreto, potente apoderamento das minhas pequenas coisas diárias e óbvias, que faz com que eu olhe pra dentro e diga que estou ok.
Hoje faz sol e eu estou de saias. Ouço uma voz ritmada, a percussão seca ao fundo, e o que mais se precisa pra melodia ser boa. É um convite à liberdade do corpo, do pensamento, uma porta escancarada à leveza do delicioso ser.
Agora é noite e eu estou no mundo, com sapatos altos, cabelos ao vento e um fio do lápis cor azul nos olhos grandes. Uma outra cara. Danço passos a dois, levada pelo desejo de flutuar, pelo desejo de acordar com a maquiagem borrada e um sorriso no rosto. Ignoro a existência de qualquer coisa fora do instante agora, permito-me o prazer digno de noites que não se deixam esquecer...
Passo uma, duas tardes no sofá, tentando entender o mundo ao meu redor. Não sou do tipo que produz demais, mas acelero a minha percepção de que tudo não passa da sensação de hoje. Ela, prevalente e assustadora, que me impõe a relação comigo mesma, sem máscaras ou meias verdades.
Se alguém souber definir, me fizer entender qualquer suposição  óbvia, o convite está feito. As portas dessa noite estão abertas prum brinde com cerveja gelada, a celebração da existência sem pressupostos. E sem necessidade de amanhã.

Ouvindo "ave cruz", CÉU.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Eu e o mar.

Vim em direção ao mar, pra nascer de novo. Vim fugida. Vim achando que ia despejar nas águas a angústia e o medo, vim querendo esquecer qualquer coisa que nao fosse essência. 
De tanto puxar, acabei longe demais, carregando a corda de um lado só. Para onde eu vim o céu abre seus grandes olhos negros, cintilam as estrelas que parecem saber o que há por trás dos meus olhos pequenos. Eu deixo a noite me engolir sem hesitar.
Pulei ondinhas na praia, mas não sei exatamente se eram ondas grandes o suficiente. Tudo bem. Confio na força do mar, na sua regra basica de causar tempestade e calmaria, tudo ao seu tempo e seu desejo. Só orei baixinho, molhei as mãos e os olhos, e pedi. Sei que a mãe das águas ouve pavorosa minha súplica, sei que analisa cuidadosamente minhas intenções, e sei que por fim reconhece em mim o gosto salgado impregnado na cor e na pele, no jeito de sentir e pensar- a herança explicita que carrego do meu próprio imenso mar.
Eu me confundo com a água...

sábado, 16 de julho de 2011

O sentimento de agora.

Meu pensamento pouco revelável instiga a menina de olhos dissimulados que há em mim. Eu gosto de sentir o gosto da (im)possibilidade transgressora. O ser secreto, dividido secretamente a dois, parece potencializar o desejo, o sabor sem vergonha de um deleite quase extravagante...! E doce, muito doce. Minhas bochechas coram com essa vontade que carrego silenciosa em mim. Mas é só pensamento - com todas as más (e boas) intenções possíveis. Tem vezes que eu deixo a pele reagir ao suor da apreensão, do estalar despretencioso que invade o corpo inteiro. É uma covardia tentar rebater. Nessas horas, a melhor opçao é sorrir para dentro, desfrutando a delícia desse sentimento misterioso, pulsante, revelador. 
Não quero entrar em questões profundas demais sobre a forma arrebatadora que me toma esse sentir. Não é o foco. O importante mesmo nisso tudo é perceber que estou viva, passível dessa liberdade doída, mas impregnantemente prazerosa... E minha- de nascença. Parece que só aí estou sendo honesta, por mais fingida que me force a ser em todo o resto. Estou cansada de dias mornos, com a companhia de alguém que não está verdadeiramente ali. Não sei boiar na superfície, relaxar meus músculos sem a necessidade do que está submerso. Eu sou assim, mesmo sem querer. O que me conquista é o que eu vejo quando mergulho, o feio e o bonito da essência, o que há de rusticamente humano por debaixo. Meu desejo é limitado quando não me deixam mais adentrar...
Retomo o meu mundinho interior pouco acessível, pouco acessado. Não me deixo mais intimidar pela menina que sai de mim, com seus olhos oblíquos à la capitu! Mordo o que sinto, o açúcar refinado desse sonho cheio de pimenta, sonho secreto e irrealizável. Melhor: secreto e platônico,  como já me diziam uma vez, um alguém que sente igual, sente maior ainda que eu...

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Hoje não.

Estranha necessidade de conexão. Eu preciso entrar, mas não só isso. Preciso habitar, sentar na mesma mesa e comer com as mãos, junto. Talvez não seja justo comigo, nem justo com o outro, mas é a forma plena que eu encontro de sentir, compartilhando. Dentro desse pressuposto construo as relações em que guardo silenciosamente uma imensa expectativa - a de poder ser eu, sem medo ou amarras.
Tenho olhos que brilham no começo, porque se encantam com seu próprio reflexo. Brilham segundos depois, quando acreditam que do outro lado há uma alma - e que essa alma brilha de volta. Mas aos poucos, a realidade dos dias engole o que há de excessivamente mágico. Seria bom, se não fosse fosco. Em mim, a ironia das lágrimas misturadas com a sensação distante vira um brilho seco, esvaído da alma que antes era uma certeza. A constatação vem fria e calma. Escorre duas vezes e depois pára. Escondo a dor com gosto de chocolate trufado comprado na banca da esquina. E continuo a viver.
Luzes acenderam no meu aparelho celular, minha conexão virtual mimetizando uma mão na outra mão. É o mais perto que chego hoje, e já é melhor que qualquer outra coisa. Sinto a força avassaladora do inexplicável, inequívoco e temido sentir. Honestamente, meu egoísmo torce para que alguém decida dividir também sua angústia ao meu pé de ouvido, como se necessitando tanto quanto eu da tal conexão. Generosa mania de ser sempre disponível camuflando o real desejo de simplesmente ser. De fato e inteira.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Nem eu sei.

Escasso tempo de apoderamento. Amanhã amanhecerá doloroso. A minha angústia tem que caber na minha altura, porque não pode extrapolar para além. O meu sonho dessa noite me permitia navegar mares calmos, e a calmaria invadia para dentro de mim. Eu ria e dividia a vontade com alguém de olhos fundos... Mas agora faz frio, faz pressa em chegar logo o depois, e no depois não há como aguardar. Rara a possibilidade de escolha. Ou ela, a coragem que permite a reviravolta, o remexer furioso do descontentamento do peito. Enquanto nada disso toma forma e vira fato, sinto a inquietaçao decepcionante da inércia, do ir e vir sem sentido, da mesmice declaradamente vazia. 
Silêncio. A tristeza não se embasa em qualquer fundamento, e são nas madrugadas que ela encontra refúgio. Eu busco ávida uma caverna.
Insosso experimentar de vida, que hoje se mostra viva pelo latejar monótono da cabeça. O tique-taquear alerta a urgência da fuga - do sofá para a cama, para debaixo das cobertas, para finalmente o mundo menor e aquém. Sem trilha sonora, só um ar quente artificial mimetizando a fonte do calor que hoje a vida não tem. Dói..

domingo, 3 de julho de 2011

Silencio.

Troco mensagens a dois sobre uma solidao aguda. Um fio tênue liga o fundo do sentimento em faísca, a pontinha de vida que respira na superfície explícita dessa coisa contida e oculta. Não há expectativa na revelaçao, so uma cumplicidade velada, dissolvida no ar. É assim que se desenvolve um afeto, nas madrugadas frias, nas horas em que o frio toma para alem do corpo, a alma.
Sem necessidade de letras em excesso, explicacao a mais que o obvio ou entendimento qualquer.... Nao ha jogo. Falar o que se sente ja é o ato em seu começo e seu fim, deliberadamente concreto, autosuficiente. A solidao agora é partilhada, mas nao deixa de ser a experiencia de um so, com sua dor intrinseca, seca e plena. Nao ousariamos nos abster. Sentimos inteiro, choramos lagrimas sem endereço ou nome, e retomamos a rotina diaria de carregar um mundo inteiro dentro de nós. Secreto. 
Sem aviso ou preparacao, me surge algo que palpita no peito. Há um broto faminto invadindo a terra metida a armadura, causando rachaduras irreparaveis na muralha criada como defesa. A solidao escorre por ela pouco a pouco, avida por um suspiro de calor gerado no contato. Uma mao esbarra na outra e de repente a solidao ganha tons de azul. Clara, serena e doce, nessa madrugada, ela esta indo embora...

domingo, 12 de junho de 2011

Redenção

DEPOIS DO PECADO, a redenção vem ao som de uma música profana. Tirei os livros de poesia da estante. Num pedaço grande de papel, tudo que necessita de maior atenção. Deixei o álcool evaporar, assim como a faísca do fogo que ardia forte demais, e queimava. Minha inspiração ganhou tons de realidade, deixou de ser inspiração e se tornou um fato. Do fato, amanhã farei uma vitamina e tomarei até o talo.


Depois da morte pela dor do assombramento, a tentativa de renascer através da verdade. Tirei o peso do instante. Agora mordo vagarosamente a maçã, deixo escorrer um pedaço, e desfruto o meu próprio poder de degustação. Assim me é saboroso. Um segundo atrás, eu mastigava correndo na tentativa de não perder, não parar, não faltar. Mas sangrava.


Depois do depois virá a Segunda-Feira. E depois a Terça. Daí surgirá a vida, para além da tragédia caricata que eu vinha desenhando ultimamente. E surgirá o meu nome, um monte de mãos e rostos, a boa sensação de seguir adiante. Eu puxo o ar e dou o primeiro passo.

Bicho.

Dentro de mim há um bicho. Em noites assim, ele escapa e me come. Meu próprio bicho mastiga vorazmente o que resta da minha sensatez. Só me sobra o cheiro.


De olhos bem grandes, olhos negros, profundos, hipnotizantes. Abre a boca e grita suave o seu canto de sereia. Transita delicadamente sobre os espaços, ocupa todas as mesas de quatro lugares no seu discreto cruzar de pernas. No escancarar das pernas.


Meu bicho se apresenta com bilhetinhos de papel manchados de batom, solta os cabelos, puxa forte os cabelos. Olha fixamente para as bocas, e nessas horas eu nem sei o pensamento, se é que há algum - além, é claro, da pele. Não me pede licença, habita sob exuberante forma o meu vestido e os meus sapatos, se embebeda da minha taça de vinho, do whisky alheio. Definitivamente, não pede a menor permissão.


Meu bicho morde as entranhas, o pescoço, todo o ar. Se é que há intenção, sei que ela é má. Todos sabem, e gostam. Ele escorre derretido entre as brechas de sorriso barato que, atiçados, lhe dão. Se vende num jogo dominador, cheio de si, desse dia ser o fim e bastar. É o seu triunfo, a certeza de que ali ele é rei e impera. Sem necessidade de mais.


Meu bicho me toma a voz, mas não fala nada. Não diz adeus nem se justifica. Ao amanhecer, assim como entrou, me sai deixando apenas meu corpo. Sua carcaça. Moído. Descartado. Leva consigo até as memórias – e deixa apenas a dor da ressaca.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Desfecho.

Estou cortando o umbigo. Órfã. Tristeza é precisar me conter.
Cá estou sem voz, com duas toneladas na garganta.
No fundo, no fundo, eu nunca pude ser eu.


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Acho que já sei o final.

Diário de duas adolescentes (a quatro mãos)

Estamos sentadas no sofá. Agora, nesse minuto, temos apenas 15 anos e uma vontade enorme de parar de sentir. O sentimento parece que não tem fim, não tem medida. A gente morre de medo, morre de vergonha, morre de dúvida sobre o que a gente de fato sente. Parece que nada é suficiente. Afinal, o que mais podemos querer?



A sensação de desamparo é três vezes maior que o apartamento no nono andar. Difícil lidar com tanta racionalidade alheia. O que dissemos há 30 segundos parece que se esvaiu da memória, ficou apenas a sensação inconstante da solidão. É o gosto do vinho que faz tudo rodar.



E nunca muda. Temos 15 ou 25 anos e continuamos com os mesmos medos. Irracionais. É como numa armadilha, quanto mais lutamos contra, mais nos enroscamos. Seja viajando, bem perto do mar, seja na realidade da qual tentamos inutilmente fugir numa Segunda à noite.



“Já conheço os passos dessa estrada, sei que não vai dar em nada...”



É a milésima vez. Sentimos tudo igual como se fosse a primeira. E não importa quantas vezes. Será novamente igual. Nada basta. Nem flor, nem amor, nem todo romantismo do mundo. Temos ainda muita fome de algo que não tem nome.



A música chama “Triste”. E parece que temos essa necessidade de sofrer, agora e já. Forte!Com todas as músicas possíveis. Tudo de uma vez. Temos a ilusão de que vai passar depois de tudo sofrido. E o que estamos sofrendo mesmo? Ah é, a paixão…



Honestamente, sem incômodo algum, a gente não sabe lidar com nada disso. Alguém nos deixa ligar pra Elis e perguntar como ela sentia, por favor? Pra que inventar, então, se nunca vai existir? Eu não sei brincar de gostar. Pra mim é tudo pra valer, sempre oitenta, sem oito. Nunca o tempo é suficiente. Nunca a ligação é suficiente. Nem as lágrimas. Nada mais é suficiente.



Agora já a garrafa de vinho exala no ar. Cansa sentir, mas cansa ainda mais fingir que não se sente. Daqui a cinco meses seremos algo que aparentemente nos define, mas a verdade é que não sabemos o que vamos sentir nos cinco minutos seguintes. Ninguém nos avisou isso com a antecedência necessária, com a necessidade de afeto que preenche de fato o copo, o corpo, o coração.



A gente deve para nós mesmos não mudar o que somos pelos outros. É uma obrigação com a alma, ser o honesto, ser dramático o suficiente para admitir para si mesmo o que brota de dentro. Precisa culhão. Sangue nos olhos. Ranger de dentes. E a disponibilidade para amar e chorar, rir e cair, e todo o resto.

Eu custo um copo de café forte e cinco saches de adoçante barato pra me convencer de que devo parar pra pensar. Racionalmente. Estou com um sentimento inexplicável e sem motivo. Ou pelo menos penso que estou. Partindo de uma decisão tomada ainda antes de levantar resolvi não alimentar o meu lado carente e sanguessuga. Pus uma, duas, três roupas diferentes, desci degraus incontáveis no escuro, subi num ônibus, andei prum lugar que pertencia só a mim. Eu deveria me bastar.


De repente aquelas canções velhas de todos os dias, na mesma voz de todos os anos (desde os cinco de idade), ganharam um sentido que me fez sofrer. Eu sabia a letra de cor, mas não sabia a intensidade das palavras - elas, poderosas palavras, que potencializam o sentimento já potente por definição. Meu castelo de areia está sendo levado pela força irrevogável e honesta do mar. Inevitável colapso, calmo e bruto, que inunda até a mim...


Se hoje eu pudesse guardar uma coisa que me é óbvia, guardaria o gosto desse café. O calor. O aroma. O meu mundo inteiro, que parece intocável dentro desse desfrute indecente do amargo açucarado. Esqueço de tantas conclusões já exaustivamente tiradas que permito apenas um riso discreto e tímido para a menina no espelho. Acho que preciso enxergar mais o que está dentro, valorizar a imensidão do que há em mim... Uma conquista pessoal de pequenos mimos, de carinhos constrangidos, de suavidade no olhar. Eu preciso me desejar. E nessa, enxugar meu próprio pranto, me cantar canções no ouvido, respeitar minha vontade de estar só.


Porque eu sou tudo o que tenho, primordialmente e sempre.

Hoje

Todos os dias, invariavelmente, a gente revive. É o pressuposto dos dias em que a gente respira. Hoje passei por uma senhora com olhos cansados, que praticamente não enxergavam mais. Acho que os olhos dela simplesmente se aposentaram, falaram que era tempo de evitar ver tanta coisa mais. Partimos de um sorriso cúmplice e tímido, começamos a conversar, primeiro sobre a demora, depois sobre a paciência. Há 30 anos ela havia trabalhado naquele andar de hospital, hoje não andava sem bengalas. Eu, que tinha usado os meus olhos a noite inteira pra explodir o que estava dentro de mim, agora olhei atentamente aquela voz que falava com o peso de todo o necessário saber do mundo. Ali, ela era a existência. Um ônibus veio e a levou, como carregada pelo vento. Antes de sair de casa eu havia pedido baixinho que a vida me ensinasse alguma coisa, e nos cinco minutos em que estava andando em busca do sol, a vida se fez com noventa e poucos anos, mais real que nunca.


...


Agora observo o caminhar das pessoas bem vestidas. Estou sentada com o computador à minha frente, que me esconde da indiscreta curiosidade que me impõe observar a vida alheia. Não sei nem se as pessoas se importam com o fato de estarem sendo investigadas. No fundo, no fundo, estou atrás de emoção. O que me interessa mesmo é a mão na outra mão, o bocejo da moça atrás do balcão, as pernas cruzadas do homem só, olhando pro nada. Cabelos brancos que abraçam cabelos brancos. E por aí vai. Entre chaves balançando dentro dos bolsos, guarda-chuvas pendurados nos braços, cachecóis enforcando os pescoços, acho que ninguém me vê. As florzinhas bem pequenas na blusa rosa disfarça a angústia lamacenta e negra que mora em mim. Não aparento ter envelhecido dez anos nessa última madrugada. Mas sinto como se de repente a dimensão rígida e extravagante da minha dor fosse perdendo perna, perdendo força uma vez que entro silenciosamente em contato com toda essa sutil emoção percebida ambulante pelo mundo. O homem ao lado, misterioso em seu chapéu estilo Panamá, me provoca a pensar que há uma imensidão ainda intocável logo perto de mim. É bem assim que deixo de existir como tudo e só.


...


segunda-feira, 30 de maio de 2011

Pausa pra com-ciência.

Estive cá pensando com os meus botões e outras duas mãos. Nem era preciso dizer. Impedidor maior que a vontade explícita é a tênue percepção dos fatos- melhor então assim, com uma coberta fina e um braço a menos! Durmo ainda bêbada de pensamento...

terça-feira, 17 de maio de 2011

Inside the car

O dia começou cinza, com poucos graus na tela do computador. Eu me atraso a acreditar. Os carros não andam, como se teimosiando lentamente, num protesto preguiçoso e uniforme, a necessidade de engatar adiante no dia. So é o começo.
Meu pensamento também insiste em não acordar, talvez insista mesmo em não ver. A melancolia nao passou com o passar da noite, ficou impregnada em meu corpo pesando mais que uma tonelada. E isso é apenas a pele. Eu custo a seguir. Estou esquisita, invadida e sozinha. Um monte de gente dentro do mesmo lugar e a sensação silenciosa de estar com frio e com ninguém. Faz parte de dias chuvosos assim manter-se distante como a aparência lá de fora? Ou esse é apenas um outro pretexto pro afastamento já usual, já cotidianamente imposto?
Tenho uma aquarela em meu bolso fundo, uma faísca de possibilidade. Não sei ainda o quanto vou conseguir colorir da vida, mas preciso desesperadamente saber que elas, cores, existem e estão ali, à espera. Basta agora um pincel largo que se proponha a aquecer cuidadosamente os sentimentos. Como carinhos quentes... (aqueles mesmos que eu descobri na cidade do sol)!
Um respiro longo e largo. Talvez surja algo discreto, luminoso e passível de ser sentido ainda hoje... O meu único poder deliberado fica sendo então cruzar os dedos. Vamos torcer!

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Outra beleza não há.

O metrô passa rápido demais, mas dá tempo deu ver. Uma mulher não muito alta, não muito esguia, nada elegante. Uma mulher linda. Entrelaçada, com panos amarrados ao redor das costas, até a cintura, formava um ninho aconchegante para sua cria. Era um aventalzinho de canguru, um bolso pra colocar um segredo, um forno onde se aquece o coraçãozinho do filho. Outra beleza não há. Observo tudo aquilo tomada por um encantamento que eu nem sabia ser capaz de sentir, como se naquele exato momento estivesse partilhando clandestina de uma corrente de afeto universal. Eu podia quase ver concretamente o fluir mágico e despretensioso da imensidão do sentimento. Ao redor, pessoas apressadas em suas bolhas de vidas vazias, apressadas para lugar nenhum. Secas. Cegas. Como o mundo não parou para ver essa fonte exuberante de amor?


Entro os portões de casa embebida do prazer de presenciar um estalo de sentido para isso que chamamos de vida. Se é que há um sentido, acho que acabo de descobrir. Agora carrego em mim um segredo, um desejo de ter isso também para mim. Chamarei de Sophia, de João, de meus pequenos, príncipe e princesa. Ensinarei a andar, a correr pelados pro mar. Sei que somente assim experimentarei concretamente a maior dimensão que pode haver um sentir. Logo eu, inebriada pela possibilidade de simplesmente ser levada pelo envolvimento doce e terno que brota do fundinho do coração...


Já espero vocês, desde já, meus queridos.

Até passar.

Se alguém conseguir entender, por favor, me ajude. Sou uma três dias antes, outra naquela noite, outra duas manhãs seguintes, uma na próxima madrugada. Tudo isso é um fato e eu não sei o que dizer. Não dá pra fugir nos momentos em que escapole tudo tão exageradamente, nos seus extremos mais opostos, bom e ruim, real e inventado, céu e inferno. Está tudo isso aqui, dentro de mim, misturado como água e sal. Não sei mais viver sob esse regime inconstante. A rotina me toma tão avassaladora que me faz despencar num precipício. Quebro as pernas, elas, que até então dançavam feito bailarinas. Me pego chateada com a minha inabilidade em controlar o mundo, corte fino de navalha no belo rosto narcísico que projeto no espelho.



Sinto que a sensação é tão maior que o fato, mas estou de repente míope. Perdi a sensata e indispensável capacidade de distinguir a diferença das coisas diametralmente opostas, de perceber sutilmente o significado exacerbado de certas reações. Estou exatamente no olho do furacão, na boca do vulcão, no meio do tiro ao alvo.



Deus, será que eu faço a menor idéia do que estou fazendo? Continuo com mil perguntas sem respostas, descobrindo coisas que não gosto sobre mim, caminhando em estradas que levam a qualquer lugar sem nome, sem dica ou aviso prévio. Cansei dos delírios. Cansei da falsa sensação de segurança absoluta, da paz inexistente, do palco inabitado.



Me desagrado na diferença, como uma criança que acaba de perceber que o resto inteiro é simplesmente um não-eu de gosto amargo. Os sonhos acordados agora me nauseiam, perdi a graça ao perceber que no fundo nada disso é verdade. O que não passa de invenção tem destino próprio, e essa é a verdade da qual não posso fugir.



Quero apenas ouvir uma música daquelas que fazem os olhos limparem a água e o sal de dentro... E assim fechá-los até dormir. Hoje não preciso sonhar.

Anterior a.

Se por toda vez que meu pensamento voasse ate lá eu roubasse uma estrela do céu, teria em casa um tapete extravagante e iluminado. Assim, talvez, eu me sentisse mais perto do antídoto pra minha urgência.
Ando incurável ultimamente. Um saci de perna bamba sorri safadamente pra minha mente, ela que acabou de perder todo o seu já escasso poder de concentração. Estou flutuante, apoiando-me nas estrelas...
A verdade é que eu queria ter coragem de falar o nome proibido, admitir o Sentimento Silencioso predominante. Nao tenho mais esconderijo - sai pelos meus ouvidos, nariz, boca, exala no meu cheiro, extravasa os poros todos. Perdi meu estado imune, e quero gritar pro mundo o meu desejo! Mas tenho medo. Amanhã, quando as estrelas dormirem e a rotina acordar, quando eu precisar encarar os meus monstros diários, aí o meu peito falará mais uma vez que talvez meu excesso seja irracional, seja uma busca exagerda por afeto. Será...?

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Harder.




A angústia é o sentimento embrutecido, que ainda não teve tempo de ser lapidado. Sem questionamentos, corta-me forte, visceral. Eu sinto que estou entregue quando me toma aquele ar inexplicável de alguma coisa (...), uma potente sensação de qualquer uma delas. Pode ser tudo, pode ser nada, pode ser exatamente o que eu sei e tenho medo de admitir. No quarto escuro sob um cobertor pesado, deixo cair sobre mim o peso do sentimento ainda sem nome, deixo escorrer a lágrima sem propósito, a alma com frio, a fala sem voz. Nessas horas só há sentido a solidão.
Como uma baleia parcialmente submersa num palco com neve artificial, metade me escondo, metade mostro meu espetacular tamanho. Só assusto a mim. Olhei no espelho e dele saiu outra eu, que me olha nos olhos e aguarda uma reação. Eu reajo, como se estivesse experimentando aquilo que eu imagino gostar, desejar, até perceber que é verdade. Tudo por enquanto é sobre mim, e brota razoavelmente angustiado, como se já fosse sabido. Ser racional me faz enxergar mais do que eu gostaria, porque a percepção se une escandalosamente ao sentimento latente, e se torna poderosa. Tento não me mexer, para não sair furacão.
Eu vejo ovos e piso neles, consciente de todos os possíveis fatos, apenas pelos cinco minutos em que não me sinto só. A lembrança e o resto só doem.

domingo, 1 de maio de 2011

Casa



Estou sentada com saltos altos, experimentando uma sensação nova, ao som da poesia que beijou os meus ouvidos desde aquela primeira vez. Estes saltos me fazem ver que apesar das minhas pernas bambas, da insegurança em relação ao nome que isso tem, eu estou aqui, imposta a mim mesma. Gigante. A parede rosa imita o doce de como tudo tem se dado, leve, livre, doce, doce... Fantasiada, mais real que nunca, torno-me suntuosa rainha, dona do meu conto, das minhas asas quebradas, do meu coração alecrim. Me aproprio do canto e quando vejo no espelho, já tenho som!


Depois do susto e da falta de ar, silencio. Parece que de repente já não tenho mais palavras, porque esgotei os argumentos, as armaduras, as ataduras. Agora sinto, como um ritual bom de simplesmente ser sentido, a coisa não batizada me tomando desde os pés, pela espinha inteira, pelo bico dos seios, pelo cacho encaracolado caído meio torto nos ombros. Estou tomada, olhando pro meu desejo novo apelidado de inspiração.


Com mãos tão fortes, tão delicadas assim, se escreve em meu corpo uma nova oração que nem eu sabia ler. Um dialeto novo que eu acabo de me inventar. Estou vendada sobre um rumo sem direção. A culpa, afinal, é da vida, que insiste em ser maior do que caberiam nos meus planos bem cabidos, bem dotados. Já benzida, agradeço à arte que dá voz ao que está dentro, indizível!


Volto ao que fui antes, ao que me tornei desde esse minuto seguinte. Vou brincar de boneca, brincar de sonhar, brincar de ser feliz...






sábado, 30 de abril de 2011

Fettuccine ou talharim?



Têm dias na vida da gente que uma mosca ganha forma de elefante. Dias em que nem eu mesma sei que hormônios são esses que me regulam e fazem de mim um ser com limiar negativo para tolerabilidade. Perco quase a habilidade de conviver socialmente, e como um bebê com falta de ar, fico extremamente irritada. Nessas horas não sei mais o que é justo.



Há a privação de sono, o suor do dia anterior, o medo anterior ao fato, o fato que, por já ser fato não deveria despertar tantas rugas novas. Eu envelheço em mim cada vez que não suporto lidar com as coisinhas bobas do dia-a-dia. Quero talharim, fettuccine, não!



Pouco me importa se são a mesma coisa! Se há um quê irracional na minha angústia em forma de ranger os dentes, devo isso à forma demasiadamente humana de ser, à qual tenho me descoberto – demasiadamente, irritantemente, relutantemente – vulnerável.



Paciência.



Peço desculpas de antemão para aqueles que com sorrisos quiserem semear suas gracinhas pelo mundo. Sorry, hoje não tou pra macarrão.





Spolleto, 12/04.




segunda-feira, 4 de abril de 2011

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Toda forma de batida é nova, e silencia a angústia de se esconder o que se é. Estou descobrindo aos poucos, e não acelero a consciência dos fatos. Eles se mostram ao seu tempo, a mulher vestida de preto, o convite impresso e irrecusável, o homem com olhos cor do céu, a língua de fora. De dentro sai um vulcão. Depois de mil voltas ao redor da mesma encenação, alcancei o alvo e fui fundo nele, cheia de medo, cheia de certeza nenhuma sobre o teor do desejo. Uma voz rouca com cigarro na boca fala de um jeito semicerrado que eu tenho mais é que fechar os olhos e cair, me jogar. Com uma prece e um copo, eu vou – pouco hesitante, pouco podada, despudorada. Viva...! Viva! Assim eu fui.


Amanhã sou surpresa, a música que agrada meus ouvidos já toca em um outro tom. Não me culpo mais por isso. Minha erupção tem cor de pele, e roça o outro com vontade de mais. Eu quero só sentir – sem pensar, sem questionar, sem mentir. E se desconheço esse traço que começa a se formar por onde passo, é porque tenho mesmo que percorrer no escuro, arriscando-me à vida, antes de dizer com convicção à quê vim. Estou aqui. Esse fato, que já é tudo, por enquanto me basta.