terça-feira, 6 de março de 2012

Aperto

A saudade dói. O não poder dói. O não saber dói. Até o frasco de água em cima da pia, aquele de quando sentia sede, até ele dói. Suavemente, uma dor que transpassa o tempo, come delicadamente as horas, enlaços de memória de algo que foi, e não é mais. O formato da mão, a pintinha nas costas, a lembrança do cheiro - ah, o cheiro é o que mais dói.
O anel folgado no dedo errado dói. O livro com sua dedicatória meio charmosa dói. A foto de um beijo no rosto, desses colados que criança dá (sabe?)... Dói. O som surdo da risada. Sussurando, uma dor que aponta sua presença no despertar da manhã, acorda com um sopro gelado na nuca e se mantém ao lado durante todo o dia - no escovar dos dentes em frente ao espelho, no descer das escadas de mil degraus, no entrar nos lugares distribuindo bom-dias vazios. O cotidiano vazio. O esperar vazio.
Hoje eu dei comida para a minha dor, fiz um prato farto e ofereci, mastigando lentamente a ferida que me está aberta. Hoje eu ouvi músicas, dessas próprias para a ocasião, solenemente ocupei meus espaços de pensamento com a falta, a lembrança dos pequenos gestos, esses doces detalhes, o pacto de "para sempre" derretido como manteiga em dias de extremo calor. Como esses últimos dois. Hoje, principalmente hoje, eu deixei que ela entrasse e ditasse suas próprias vontades. Sem solidariedade, ela se apoderou do que era seu por direito, e ficou.

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Numa lacuna perdida no tempo fez-se uma pausa para a vida, poderosa vida, imponente e cheia de mistérios. Ainda agora ganhei um sabonetinho sabor neném nascido nos meus braços. Sabor sorriso. Devorei o gosto açucarado de esperança que esse momento me trouxe, sem a menor pretensão. Boaventura a minha, desejar ser feliz - feliz, feliz! Porque a dor existe, mas até ela é pequena demais diante dos 47 centímetros clichês de milagre que acabei de apresentar ao mundo. Honestamente, eu acredito.