segunda-feira, 29 de junho de 2009

Ó pedaço de mim...












Não tenho problemas em me encontrar sorumbática, nem em me fazer exitante. A força do hábito, mais forte que eu, me fez aprender a lidar com tudo isso. O problema agora é o descompasso do coração, a falta de sincronicidade, a palpitação crônica. Há uma incoerência nas batidas, como que anunciando a minha disritmia com todo o externo. Com o interno também. Explicito um pecado em cada desejo, e é um deleite ao qual me deixo ir. Não ando me negando mais. Mas não consigo evitar o pedaço exilado que se forma a cada passo – no depois, me viro do avesso e o que encontro é vazio. Revelo um tom doloroso ao me perceber tão dispersa e sem rumo. Então me anestesio, porque lateja se eu parar pra pensar... E eu nem tenho tempo pra pensar (“Que se dane...!”)! Me agarro aos impulsos – esses e outros tantos. Decidi há 2 minutos que de agora pra sempre vai ser assim.

A roupa de baixo fala mais sobre mim, só que ela está escondida. Sempre, quase sempre. Por fora, gosto de chapéu e cachecol, porque escondem eventualmente qualquer lágrima. Nessa hora, sou só sorrisos – e eu gosto disso. Não nasci pra ser Simone de Beauvoir, e a invejo em todo o seu desacaramento de gritar por si mesma. Porém, apesar de contida, não nasci pra santidade. Me culpo por isso, mas é um lamento em vão. Continuo cínica. Mantenho escores numa batalha estúpida, totalmente dispensável, e às vezes perco para mim mesma. Dúbia. Os mistérios em volta das experiências explosivas da vida continuam me atraindo aceleradamente – por mais que eu finja não ver. Eu cumpro minha sina, assim até que está bom. Mas eu ainda vou sofrer um parto, sei que vou.

Ó pedaço de mim, do qual não posso me esconder, coração...

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Desconhecida

Cresci comigo e ainda assim não entendo as minhas reações. Me surpreendo cotidianamente, porque há muitas coisas inesperadas, coisas antes nunca percebidas que surgem em mim como se brotando de um lugar fundo demais. Ou raso demais, tão raso que eu simplesmente não vi. Definitivamente, algo novo. Gosto de ser uma cada vez, mas às vezes um frio imponente me toma e eu fico sem saber... Me pega desprevinida, sem nenhuma pista! Acho que é só medo - medo de ser. Não sei a origem do turbilhão interno, da sensação ameaçadora, do desejo de apagar a luz. Tudo é aparentemente explícito, mas a verdade é que eu nada reconheço. Grito pra dentro, mas de dentro sai uma risada sarcástica, como se me provocando diante da minha cara nitidamente incrédula. Não quero ser esta pessoa que está posta, que está à mostra. Quero outra, pelo menos pra aliviar o que me arde agora. Tenho vontade de me deixar pra trás, e construir uma história mentirosa, mais fácil de lidar. Mas não passa de uma vontade rápida, e pra minha sorte, ainda me resta um raio de fé. Acredito ainda numa certeza tímida, numa possibilidade discreta, num ato mínimo no qual me reconheça - pra que nele eu desesperadamente me tome por inteira. Preciso me entender, pra compreender a vida. Não gosto do mundo gelado que se estabelece quando me afasto de mim. Eu sou naturalmente confusa – e sei que isso é o paradoxo maior dos meus desejos todos. Nada extraordinário, nada exatamente desagradável, apenas um embotamento sutil, quase silencioso, que me distancia de tudo. Convivo melhor assim – sem explosão. No excessivo controle. Nas horas que o novo me pega de jeito, eu quero mais é fugir ( e não entendo por quê). Enquanto isso, continuo predominantemente faminta, querendo ser uma gigante, com mais de 2000 metros de altura. Toda essa parafernália pra me encolher diante da necessidade real e urgente de uma posição. Que tola...! A cada dia cresce o meu desejo de entendimento, mas eu simplesmente não entendo. O risco maior é o não-encontro, e ele me leva a pensar sobre tudo o que me move. Porque estou em mim há 21 anos, repito, e ainda me sou desconhecida. Dentro de mim há um reino desconhecido, que vira lar de uma criatura que é um outro alguém. A verdade está dentro, esse fato é fato, mas ela submerge de um jeito sulfuroso. Borbulha e queima. Uma tempestade súbita desaba sobre a minha penugem branda, e eu me sinto esquisita diante do mundo. Quero as resposta. Preciso das respostas. Mais que isso, preciso de mim.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Despertar

“Eu ficaria aqui mais a eternidade”, é o que me vem à cabeça antes mesmo deu abrir os olhos. Aqui é calmo, quente e confortável. Nem me mexo! Amanheceu, mas pra mim ainda é noite. O tempo é meu, e ele é elástico: cabe toda a minha vontade de vida, e ainda me deixa os cinco minutinhos a mais. Por cima de mim, ainda deitada na cama, passa bailando a minha ilusão dessa noite, numa despedida longa, dizendo que já é a hora. Fica o pensamento. Ouço vindo do despertador o anúncio de um mundo inteiro pela frente. Ok, decido que quero levantar, mas quero levantar dançando, espreguiçando de um jeito largo, bocejando o último suspiro do sono. Ponho uma música. Aos pouquinhos deixo entrar a luz, e com ela todas as possibilidades... Bem-vindo, dia!

sábado, 13 de junho de 2009

Samba

O samba é a minha tradução. É onde eu piso um chão que entendo, onde os meus pés trocam firmes e sem medo. Minha casa, meu terreiro, meu reinado. Minha gente! Gosto de samba, porque gosto do que ele faz com o meu corpo, do que ele faz com a minha alma. Não existe samba sem o quadril farto da mulata mole, sem o chapéu Panamá do malandro velha-guarda, sem o sapato gasto da dona Preta, que sapateia miudinho, cheia de graça. Nasci torta, mas esse defeito Deus não me deu: o de não sambar. Peço a benção pro samba, entro na roda com a mão na cintura, me enfeito com o meu maior sorriso, e vou quebrando de um lado pro outro, num molejo todo bom. O samba é um convite sem-vergonha à fogosidade e, de quando em vez, até ao amor – por isso dele não me nego. Fecho os olhos e deixo ele escorrer em mim, até me lambuzar. No coro do refrão, choro junto com a cuíca, mas não é de tristeza. É de alegria (sim, senhor)!

O samba pra mim é onde eu provo a fruta proibida, e me esbanjo em meus pecados. Me acabo, mordendo a boca de lado, enquanto vou sentindo a pele ficar cada vez mais molhada. Nem por isso paro. Nem se o mundo acabasse. Me puxam pelo braço, e agora um outro corpo cheio de ginga se embala junto ao meu. As baianas que preparavam a feijoada se juntam ao grupo, e esse é o momento que eu mais espero, o mais lindo de todos... O samba é essa mistura de tudo, que dá no fim um prato dos melhores. O homem com a voz rouca canta as historias da amada que partiu, do lenço, das falsas juras, da saudade eterna, da fita amarela, do choro, da vela... As histórias do morro. Agora todos se despedem juntos da roda, num até-logo demorado, com o coração no pé.

Um sabiá cantador anuncia com a viola que hoje é noite de samba...

domingo, 7 de junho de 2009

Justificando

Não sou exatamente exagerada, mas também não gosto das coisas pela metade. Ou é ou não é, e nesse caso eu gosto dos 50% certos. Porque o ‘pode ser’ nada mais é que uma idéia solta, e eu estou farta de estar solta demais. Meus pés se grudaram ao chão, e o chão está sempre frio. Ainda acredito em dados lançados ao vento, em oportunos acasos, em apostas feitas às cegas, mas não me convenço mais das promessas quentes em paraísos muito distantes. Eu quero pra já, e quero aqui perto. Nada além do real.
Não sou exatamente amarga, não me considero o tipo cruel e fatal, mas gosto da verdade. Ou, no máximo, das mentiras doces. Não tenho medo do mundo, e estou na ciranda para girar, até ficar tonta. Tenho duas faces, e não hesito em mostrá-las, as duas. Mas não gosto da vida mesquinha, dos desejos mesquinhos, das historias onde só cabe um. Pra mim, tem que transbordar! Entre meio cheio e meio vazio, fico com a garrafa inteira, e ainda repito a dose.
...
A questão toda gira em torno do fato de que a justificativa me dada é sempre a mesma: os dias todos parecem ter neblina demais - e em meio à cegueira, em meio às dúvidas e questões existenciais, dá-se meia volta e deixa-se pra depois. É o que ouço. Estou cansada, pra não dizer farta, e por isso mesmo venho aqui falar (apesar de não deixar de defender) sobre toda essa filosofia barata. Vejam, não faço camapanha contra, muito pelo contrário! Essa coisa toda abstrata me é assumidamente muito sedutora, e eu não faço o tipo cética. Mas as coisas postas precisam de caminhos concretos - ou então tudo vira uma grande abstenção. Não sou extamamente um poço de certezas, mas entendi agora que aquelas decisões assustadoramente difíceis precisavam na realidade de escolhas um pouco mais fáceis, um pouco mais simples. Precisavam de um pouco de riso. Não gosto de quem foge da vida, e por isso às vezes não gosto nem de mim mesma. Eu grito, eu fico sem voz, e nem sempre sei explicar minhas razões. Mas sou honesta com o que sinto. Não corro do que vem de dentro, e nesse ponto pago até pelas feridas. O fato é que, de mim, não adiantaria tentar fugir. Por isso hoje bato pé pelas minhas paixões. Elas, que são minha maior verdade. Meus prazeres secretos, minhas crenças deliberadamente assumidas, meus cachecóis de lã em meio ao tumulto da neve. Gosto das coisas apaixonadas, porque elas surgem de dentro da alma, e são fortes e reais. Não tem lero-lero. As paixões trazem intrinsecamente as motivações para os dias, e só por isso já se fazem indispensáveis para vida. Sem elas, não sou.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Fantasia



Em dias como hoje, eu costumo chegar em casa e procurar refúgio. Monto uma tenda na sala, visto um agasalho bem quente, esquento um chá de limão. Aqui sou dona do reino, rainha e criada, senhora, escrava, bruxa e cristã - e todo o encantamento faz parte e é meu. Meus livros são meu subterfúgio, e é assim que ganho coragem, que ganho asas. Começo a viagem. Sou múltipla e fragmentada, uma e um milhão. Hoje nada me sufoca.

Num caminho longo de pedras, percorro a trilha com calma, experimentando cada passo. Ouço um assovio. Um bater de palmas. Uma moeda caindo no chão. Um trovão. Sigo sem medo. Num virar preguiçoso de páginas, me transformo naquela outra, metamorfoseada. Tudo me fascina e, estranhamente, não me tenho tão vacilante. A bússola aponta um norte qualquer, e qualquer direção está certa. A medida é certa. A hora é certa. Avisto um castelo de vidro onde começo tudo outra vez. Vou assim até o infinito...

Agora já ensaio um bocejo. Mesmo depois que o chá acaba e os olhos cansam, ainda me sinto nesse mundo bom. É assim que velo o meu sono, aproveitando o fim do dia frio. Uma leveza se desliza pra dentro de mim, e eu não sei de onde ela vem. Me aquece o peito uma sensação gostosa - estou completa. É por causa da mágica, soprada do livro cheio de rabiscos, da alma dos personagens que ganham vida através de mim! Me deixo ser levada. Me camuflo dessas mil, e não sou mais somente eu.

Ora, depois da fantasia, descanso em paz.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

"Ficaram as canções e você não ficou..."

Ele pega todas as fichas e joga no chão. Não sabe que eu tinha planos mornos e pensamentos quentes em relação a nós dois. Ele põe a calça jeans, o tênis sujo e a mochila velha nas costas, se vira gritando planos, gritando sonhos, e esquece de me incluir neles. Não imagina que eu tinha ensaiado horas e horas uma proposta a fazer, e nela cabia o mundo dele também. Guardo tudo que eu repeti centenas de vezes para o espelho e me sinto meio ridícula. Vou ao mercado e coloco uma caixinha de lenços de papel em meio aos morangos. Os morangos, que agora eu vou comer só. Chego em casa e respiro fundo, tentando não achar o resto do dia tão desinteressante. Ponho a sacola ao lado das flores em cima da mesa. Ponho uma musica pra ouvir uma voz qualquer. Esqueço de trocar o CD, lembro que ele não vem.

Ele pega a cadeira e senta ao meu lado, como que sabendo que eu o quero ali. Ele me elogia a pele, o sorriso, e fala como se estivesse finalmente se deixando levar pelo meu olhar. Ele me olha, um olhar mais cretino ainda, e eu gosto disso. Segura a minha mão, diz que sente falta, sente saudade, sente vontade (muita). Eu acredito. Me encho de desejo, beijo de um jeito forte e tento não demonstrar o quanto eu sinto. Descemos pela rua sem gente, nos esbarrando em uma esquina ou outra. Andamos juntos, mas eu evito tocar as mãos, é perigoso demais. Fico sozinha na porta do prédio. Subo sozinha o elevador. Entro no banho, repito o CD, demoro um pouco mais. Espero o interfone tocar, o telefone tocar, mas adormeço em silencio. E o silencio dura tempo demais.

Ele me tem nas mãos e deixa escorrer entre os dedos. Me visita num dia frio em que bebi mais que duas taças. Lê umas palavras que escrevi, diz que são a minha cara e age como se me conhecesse bem demais. Mimetiza uma intimidade que me irrita por não ser de verdade. Vem chegando aos poucos e de repente não tenho mais espaço pra respirar. Tremo, mas não está mais frio. Esqueço por uns segundos a promessa que tinha feito a mim mesma, e quando lembro, já não tenho mais escolha. Ou tenho e escolho não pensar. A flor já está murcha e a geladeira vazia. O apartamento vazio. Ele tem que ir. Fico só, com as canções...

...

Sossego

Sinto como se o sossego fosse uma fruta rara a se comer diretamente do pé. Tenho sede de sossego, e mais ainda de amor. Há muita coisa ao mesmo tempo – aqui dentro, aqui fora, pelos meus cantos todos. Particularmente, nada me serve, e eu sei que o número está grande demais. Sobra. O sossego se dá nas coisas que cabem perfeitamente em si mesmas, que são confortáveis, sem exageros nem excessos. Mas não tenho a paciência de ir vivendo aos poucos, sem exigir de antemão que dê certo. Esse é o meu abismo.

Sei que a construção do meu dia me está sendo posta rígida demais. Não culpo a ninguém. A colcha é grande, mas eu só adiciono retalhos nas tardes em que me permito ser (nas outras me escondo). Não extrapolo nem dou o bote, só ando armada até o pescoço. Intempestivo desassossego. Corro até o teto, fujo arrastada, fico beirando à espreita. Tenho mãos e olhos por todos os lados, mas nem assim evito as lágrimas. Me sinto atada. Me sinto explícita. Conto as horas para dormir em paz, e o sono me joga de novo no mundo. Esse é o meu jeito de encarar o resto, meio moribundo, meio arregalado, meio amolecido, meio espantado.

Ainda tenho fé na luta, mas as minhas pernas doem. O escudo é grande e não protege nada - e o meu peito está sempre aberto demais. O coração sai pela boca, mas eu não aqueto. Ainda procuro a árvore, a fruta rara a ser comida do pé.