quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Breve ensaio sobre a tristeza

Não há solidão o suficiente.
Queria ficar deitada aqui, ouvindo o silêncio da noite, olhando o céu de estrelas, quieta, até o momento de morrer. De parar de ser. Como num respiro que deixa de existir, uma hora respira, na outra não respira mais, esquece de respirar e fim.
Não há lugar distante de fato, uma distância verdadeira, perto de lugar nenhum. Onde ainda não há mundo, e tudo é apenas prelúdio. Paz. Onde não existe sensação de falta, porque não se conhece para além do essencial, e o essencial está impregnado à necessidade de ser...
Não há solução para o amor. E sobre ele, todas as verdades já foram ditas. A gente sente ou não sente. Simples assim. O resto é lágrima que volta ao mar.

Breve ensaio sobre a tristeza

Não há solidão o suficiente.
Queria ficar deitada aqui, ouvindo o silêncio da noite, olhando o céu de estrelas, quieta, até o momento de morrer. De parar de ser. Como num respiro que deixa de existir, uma hora respira, na outra não respira mais, esquece de respirar e fim.
Não há lugar distante de fato, uma distância verdadeira, perto de lugar nenhum. Onde ainda não há mundo, e tudo é apenas prelúdio. Paz. Onde não existe sensação de falta, porque não se conhece para além do essencial, e o essencial está impregnado à necessidade de ser...
Não há solução para o amor. E sobre ele, todas as verdades já foram ditas. A gente sente ou não sente. Simples assim. O resto é lágrima que volta ao mar.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Caleidoscópio


A menina balança aqui fora na rede, sozinha, livro aberto na página 44, pensamento longe. Nem sei ao certo se ela está aqui. Do lado de dentro marido e mulher deitados à cama, ele rindo de uma cena do filme de ação, que na verdade nem teve tanta graça assim, mas é uma risada boa de ouvir. Ela controla sua vontade de falar, porque os outros querem estar em silêncio - e por bem ou por mal há de se respeitar essa vontade.
Primeiro ela que é mais jovem, se banha na piscina, uma braçada aqui, outro giro ali, mergulhos fundos segurando o fôlego. E haja fôlego para levar tanta incerteza dentro de si. Um ar querendo provocar as paredes, as lâmpadas, os lustres, os guardanapos das mesas e o porta copos também - só não quer mesmo ser vista por gente, esse exercício complicado - pelo menos não explicitamente. Ela sai da água caminhando feito sereia, metade do corpo pra dentro, outra metade pra fora, levitando as dobrinhas saudáveis (para não dizer fartas) que carrega entre um e outro braço. Senta-se de pernas cruzadas, tipo borboleta, e fica olhando o mar, por horas, parada. Imóvel por fora... Somente por fora.

O marido, pai, senhor de cabelos grisalhos, oclinhos pequenos e fofos, esse é um grande coração imenso. Duas biritinhas das boas para aquecer o corpo, porque a alma já vem aquecida da vida. Tem somente duas expressões, a severa e esta que está usando aqui. Sorte de todo mundo que a severa ficou em casa, trouxe apenas a outra, que mesmo com chuva e vento faz tudo transparecer mais que perfeito.

A mulher, mama, beata, senhora do destino que teima em carregar suas horas - e a dos outros - sob sua própria vontade. Escolhe um caminho de tropeços para alcançar os corações , como esse percorrido até chegar aqui. Mas tem fé, e boa intenção na prece de frente pro resto do mundo...

Mangabeiras, árvores daquelas de mata fechada e animais com canto muito bonito. A verdade é que de não saber de onde vem a calma eles estão aqui, os três, à procura do começo. Outra vez. Já não se reconhecem completamente, estranham gestos, vozes, faces, até o tipo de prato a ser pedido no jantar. Mas se mantêm juntos. Unidos de um jeito torto. Doloroso e necessário...

No lugar onde tudo vai, tudo vem (e nada fica), visto minha capa invisível de adivinhadora de presságios. Homens de chapéu em cabeças muito altas avisam que aqui nada há de estar, é tudo parte de um plano para depois. Meu pensamento nem chega a pousar, ciente de que está em outros braços a milhas e milhas daqui. Perdi a chance de compor meus silêncios com suspiros de paz, sou só grito em desespero. A verdade é que agora habita em mim um turbilhão e meio, dois, três...
Melancolia logo de manhã, lembrança de outros tempos, sutil aviso de que estou gradativamente envelhecendo, sendo desfeita aos poucos. Inquieta sensação. A minha tristeza é aguda, transparente, mesmo sem saber ser. Cão que já não consegue saltar, as pernas bambas, fraqueza arrastada da vida inteira sobre os mesmos pés. Juventude viril que se depara com as infinitas reticências, o não poder ser agora – e não poder ser depois. Voz rouca madeirada pinga verdades em meu ouvido, profetiza horizontes nos quais não quero acreditar. Em fumacinhas agridoces a noite longa de amor dissolve-se inteira no ar, ressurge, revive e retorna ao vento, tornando-se pontos de luz no céu (e em mim). Enquanto preparo malas para seguir adiante, resta-me torcer. No barco que flutua para lugar nenhum me deixo ser invadida pelo frescor da promessa de amanhã, um amanhecer banhado de sol. Meu renascer...

sábado, 18 de agosto de 2012

Cheiro

Eu rabisco cartas de amor mal escritas, pressuposto de tudo que está em mim, e me inunda. Hoje a noite tem um nome, que eu desenho entre flores em pedacinhos de papel quaisquer, guardanapos, bilhetes de avião, lembretes na geladeira. Não tenho vergonha em parecer ridícula, um cheirinho no cangote como de criança, a urgência desajeitada do toque, a delicadeza frágil da pele. Tudo aquilo de mim que é só seu. Escuto músicas feitas para meninas de 15 anos, porque os meus pés já deixaram o chão, e o que faz sentido agora é apenas sentir.
Meu corpo relembra sozinho, refaz o caminho do sofá sob as janelas e a lua até o quarto escuro de cama grande – mãos, desabotoar, rir, olhar, não cansar de olhar. Pretensão minha achar que posso ler seu silêncio explicitando esse tudo que não pode ser dito. Mesmo assim, de olhos fechados, sentindo o seu cheiro se confundir com o meu, acredito te ouvir dizer que sente também esse tanto, a ponto de extrapolar. De não caber. De querer para além de hoje, todos os dias.
Carrego essas infinitas cartas de amor com aquilo tudo que eu quase falei, que eu quase pedi, que eu silenciei pulsadamente esperando ouvir você falar, você pedir. Você, que quase falou. Quase pediu. Carrego essas horas intermináveis em que desejei falar com você, estar com você, e todo o resto que não existe de longe. Essa distância dolorida, a vontade latente que não passa, que há de ficar aqui comigo, alimentando uma a uma as cartas de amor que nunca enviei. Carrego suavemente impregnado à minha pele o seu cheiro doce, aquele cheiro que você me dá quando não tem ninguém olhando, esse cheiro que faz com que eu me apaixone por você outra, e outra, e outra vez...

... Tão bom sentir...


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Nagô

Aquele cafuné no cangote, pescocinho nu, toda baianidade nagô. Menina cheia de má intenção, mi, fá, sol e toda cantoria cheia de prosa encantada. Nessas horas, ela bem sabe se fazer mulher, sabe deixar-se despida no ponto certo de se deixar despir. Morde um pedaço da boca, puxa pra si como se ali qualquer pedaço fosse só seu. Provocação deliciosa, de quem tem ciência de todas as coisas. Corpo que pede com dengo, um cheiro aqui, outro cheiro ali, um beijo longo, e o resto mais. Corpo  febril. Pede porque quer, porque pode pedir, banhada da lua que lhe dá todo direito de sentir. Fogosa. Preta com gosto de mar. Nessa noite ela quer amar de janelas abertas, engolida pela noite que não tem hora pra acabar...  

sábado, 11 de agosto de 2012

Campeã do mundo

Tem alguém que sabe o meu sabor, meu nome, todas as minhas cores. Se eu pudesse escolher, o mundo seria um pedaço daquele chão frio, que ouviu tudo sem dizer nada, apenas consentindo em silêncio. Fico sem palavras só de imaginar, tentando recuperar o fôlego que me foi tirado sem nem aviso prévio. No fundo eu tinha absoluta certeza que seria assim. Eu sei que gosto.  Ontem descobri um gesto novo, reagi só com o corpo, quase sem pensar, e fui gradativamente me convencendo do quanto absurdamente isso me toma. Acordei sedenta. Vergonhosamente à espera. Se há algo que me faz pulsar sem que eu consiga impor controle algum, esse algo é pele. Pele na pele. Eu escorrida inteira. Carrego hoje um coração que me dá sinais de transbordamento, uma dor aguda da vontade de ficar pertinho, toda a fantasia de um sonho bom. Me pego ensaiando noites após ter bebido um pouco a mais, noites de celebração do primeiro emprego, e todas as outras ainda não vividas, veladamente desejadas, pedidas quase em forma de prece. Meus joelhos não cansam em pedir. Vez em quando meus pés voltam ao chão, me lembram da verdade dos fatos, do telefone que não deve tocar, do jantar com uma taça só. Entregue e sem medo, sinto que estou pisando nos ovos do meu próprio senso. Bamba entre o caos do certo, o caos do errado, tudo muito misturado diante de algo que é genuinamente bom. A melhor de todas as coisas.  Deixo para amanhã a realidade da vida. Eu, campeã do mundo, só por essa noite. 

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Acabo de entrar em casa, escuro, silêncio, sofá vazio. Cheiro de ontem. Mantenho tudo assim, intocado, enquanto encolho num pedacinho pequeno do colchão frio.
Queria bater na sua porta depois de um dia difícil, seu apartamento naquele prédio alto de onde se vê a lua e as outras luzes. Queria ir entrando, assim mesmo sem pedir licença, ir tirando o casaco e os sapatos, antes mesmo do beijo de oi, que você nunca dá. Queria deitar na sua cama grande demais com o travesseiro gigante, e ficar encolhidinha nos seus braços, sem precisar explicar coisa alguma, só respirando o seu calor.
Queria voltar lá naquele lugar bonito cheio de bolas no teto, preencher o cartão fidelidade que o moço deu da última vez, e que a gente prometeu encher antes mesmo da validade vencer. Papelzinho no meio da minha carteira, esperando os carimbos das noites cheias de sabor e promessas...
Queria te chamar de meu amor. Meu. Amor. Sussurrar em seu ouvido a saudade de agora há pouco, do seu riso que ouvi de perto e de longe, sua mania de me fazer corar. Queria apenas dormir, acordar e ir tomar café da manhã, com suco, pão, banana e mel. Você, olhando pra mim por cima do seu jornal, ou do livro que você comprou recentemente porque gostou do que estava escrito no final. Queria contar pra você uma bobeira que o meu irmão falou, e me aqueceu o coração. Dizer que hoje eu quis ser mãe; que estou com uma cólica que não passa há 12dias; que eu roí as unhas sem querer.
Queria te esperar de pijamas, pantufas e aquecedor ligado, pra vermos aquele filme que está nos aguardando há séculos. Queria te esperar vestida apenas de pele e desejo. Velas, parede, pescoço, mais desejo. Um sofá pequeno o suficiente, horas inacabáveis, a boca na nuca, e toda a delícia de ser. Queria outro dia de sol, cerveja, seu carro parado naquele sinal fechado, eu te roubando um beijo. Queria mil beijos. Todos os beijos...
Queria arrumar as malas praquela cidadezinha que você prometeu me mostrar, pra onde nunca fomos com medo de sermos felizes demais. Queria ligar pra você agora e pedir pra comprar um doce antes de chegar aqui. Ou trazer um daqueles de monte que você tem e não come nunca. Roubar a caneta que você rouba de outra pessoa. Te levar um envelope, te pedir pra escrever o meu nome completo num convite que vou mandar pelo correio, pra bem longe... Ir com você pra mais longe ainda.
A minha casa espia os meus segredos, cúmplice de todas as minhas fantasias bobas. Há em mim uma doçura em lembrar da sua mão em minha mão, seu rosto me olhando de perto, e todo o resto que é só nosso. Real e nosso. Alimento os pensamentos que não te deixam ir embora, porque é bom quando você está perto. Aqui, sozinha, redescubro todos os sentires. Eu, que achava que não sabia amar... Hoje sou interamente feita de querer...