segunda-feira, 16 de abril de 2012

Não vejo a cor do dia, a flor do dia, a flor no peito. Daí eu páro por cinco minutos, é o tempo inteiro que tenho de sobra, o quanto eu vivo da vida. Venho pra casa só pra chorar, o João de Deus nem sabe. Meu nome é Maria das Dores, miserável misericórdia essa que prometeram antes deu tirar os sapatos e ajoelhar pra rezar. Ser infeliz não é sina, é somente silêncio. Brinco de adivinhar o dono da posse, quem é esse que me espera na cama todas as noites, quando eu não vou. Eu fecho e abro os olhos, o ponto-e-vírgulas dos dias sem suspiro algum. Nesses sei com convicção que não há ninguém, e me falta o ar.
Tive um filho de parto normal, filho de outra mãe que agora ocupa os meus braços. O rosto ri a dor no corpo, o peso dos dias sem fim. Não há trégua, nem cavalo, só um cachorrinho bem magro, um menino denutrido e essa gente toda que não sabe ler, a não ser o Santinho. Esse mesmo, do pau oco. Serelepe. Pros pecados, e pro que há a mais.
Não vejo nem o restinho do fio do dia, que amanheceu e foi-se embora, passou pelo quarto do lado nas pontas dos pés, e eu nem cheguei a dizer que estava com saudades. O tempo é curto prum cabelo tão grande, não dou conta de trançar, vou pra rua desse jeito, despenteada, porque gritam meu nome com voz de choro, de fome, de desespero. De verdade e mentira juntos, mas eu acredito em tudo, tudinho mesmo, porque meus joelhos agora parecem estar sobre milhos.
A minha prece é prum raio ensolarado batendo no rosto, apesar dessas mãos fracas de agora. Pra onde caiba aconchego e esperança, dia e noite, vida e morte, como Deus quiser, como há de ser. Mas quero que transborde de afeto. Sem que me falte o essencial diante dos olhos. O óbvio. 
Me chamo Maria das Dores, filha da Severina, filha da sorte de ter sido feita eu.

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