quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Tempo



De madrugada tudo é mais silencioso, e a imensidão escura me invade de um jeito ensurdecedor. Ponho uma música que costumava escutar quando esse ainda era meu lugar, e ela me faz desejar. Aproveitando que estou aqui, onde todas as lembranças brincam com meus sentimentos, resolvo subir numa cadeira e me arriscar no mundo que ficou no fundo do armário, numa caixinha de sapatos decorada com recortes de revista. Acho um caderno de folhas salmão, e dentro dele estou eu.
Tenho percebido ultimamente que todas as sensações novas e inominadas que experimento me apertam o peito de um jeito forte. Foi o que senti, um apertão no peito, e é como se ele me levasse todas as palavras. Sou tão assustadoramente parecida com quem eu costumava ser que tenho até medo. A mesma atitude. Os mesmos anseios. O mesmo jeito de sonhar. Travo um dialogo com o meu espelho de anos atrás, e descubro que a menina que existia antes está bem aqui, desejando na mesma intensidade ser feliz.
Eu costumava achar que liberdade se resumia simplesmente ao poder de ir e vir, e tendo a possibilidade em minhas mãos, tudo seria mais fácil. Esse foi um doce engano. Liberdade, acabei percebendo, está mais dentro do que fora, como a maioria das coisas contra as quais eu venho lutando. O maior monstro definitivamente mora num lugar bem mais perto, e o grito de reprovação é mais sutil do que eu imaginava. Preciso de mim antes de qualquer coisa, e depender só disso é uma tarefa das mais difíceis – principalmente para alguém que não costuma se olhar com tanta cautela. Continuo chorona. Continuo meio mal-humorada ao acordar depois de dormir muito. Continuo escrevendo ao som de música, uma mesma música que toca repetidamente mil vezes. Continuo roendo as unhas e adormecendo no sofá de casa, com cobertor quentinho e ventilador ligado. Minha letra, porém, está um pouco diferente (e me disseram uma vez que a letra muda mesmo com o tempo). Outras coisas mais mudam com o tempo, e o tempo, no fim das contas, foi generoso comigo...
O tempo me deu amigos sem os quais eu não viveria mais, me deu um dia em que tive o mundo nas mãos, me deu uma noite inesquecível. Me deu a festa de cinqüenta anos do meu pai, a filhinha de uma amiga que nasceu, a celebraçao do amor de um casal que eu adoro – em estilo frances! Me deu um fim-de-semana frio em que eu não precisei sair de casa, uma tarde em que cozinhei quiche e deixei a massa queimar, uma notícia que me fez pular de alegria. Me deu madrugadas e devaneios. Me deu horas a fio sem parar de dançar. Me deu momentos de frio na barriga, e mais que isso, me deu apertos mil no peito. O tempo – e eu diria, a vida – me deu vontade de mais, me deu vontade de mim!
Amanhece exatamente agora. Fecho o caderno, abro a janela. (...) Um algo novo me espera. Deixo todo o resto pra depois.

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