segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Como um copo

A gente se enche da vida, dos dias, das coisas, das mesmas coisas, das coisas novas. A gente se enche dos amores todos, da raivinha basal que brota das manhãs cinzas, do orgasmo da noite anterior que não durou pra sempre, da maquiagem forte que esconde um traço mais humano. A gente se enche, e está tão cheio que não consegue mais parar.
A gente se esvazia, e se esvazia das lágrimas de dor, de parto, de alegria, de pena, de solidão. A gente se esvazia de tempo - do tempo pra amar, pra gritar, pra ligar prum amigo, pra correr no parque, ou na chuva ou no quadradinho do elevador. A gente se esvazia da gente, e está tão vazio que não consegue mais ser.
...

Mas, a qualquer distância - e a qualquer momento- o coração batendo percebe (metade cheio, metade vazio) uma cor, um som, uma luz, um perfume, algo qualquer no horizonte, uma verdade intrigante, um sorriso, um anel, uma borboleta, um pedido, uma outra vida.
E a gente se enche ainda mais.

A gente se enche de todos os clichês sem se importar, se enche de areia nos pés descalços, de uma bebida mais doce numa tarde mais dura, de uns planos ridículos, de cartas diárias de amor com rabiscos no canto direito do papel rosa. Se enche de espaço na cama, no sofá, no chuveiro, na mesinha de centro onde se toma o café da manhã. E estar tão cheio ainda é pouco!
A gente se esvazia do excessivo controle, do estacionamento que custa R$20,00 a hora, da obsessão pelo primeiro milhão. Se esvazia da discussão que subtrai, do pensamento que afoga mais, do detalhe irritante que não costumava sair da cabeça - "tem que ser azul-gourmet, não pode ser azul-marinho". A gente se esvazia até das meias verdades, e estar vazio é uma satisfação inteira.

No fim das contas, a balança não pesa tanto assim, nem ela, nem a vida. O peso todo é nosso, mais do que de qualquer outro. Estar cheio ou vazio não é uma opção, e mesmo que fosse, não faria nenhuma diferença. É tudo uma questão de estar disponível para si mesmo, colocando dali, tirando daqui, preenchendo de lá.
E a medida certa? Um coração atento...

Um comentário:

  1. Simplesmente ameeeeei! E mais uma vez me identifiquei com tudo! te amo mto, to com saudade!

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