segunda-feira, 21 de maio de 2012

Recado

Em 18 de Maio de 2012.
Querido ninguém.

Chego na minha paciência, no calmo e no doce, mastigando o prazer de ter o silêncio só para mim. A minha casa está ampla e fria, e eu gosto de sentir por debaixo das cobertas a paz que me trouxe trocar certos móveis de lugar. Aqui tudo é absolutamente meu, até os segredos que flutuam soltos sem mais qualquer tipo de ressalva. Sutiã, cara limpa, meias quentes, chá de maçã e o Garcia Márquez, todos compondo a minha poesia muda cheia de prazer do fim de tarde. Não quero notícias do lado de fora, porque honestamente, nesse momento, tudo que me interessa está aqui, a um palmo de minhas mãos sem anéis. De seres humanos bastamos eu e o senhor de 90 anos com fala latina arrastada.

Sento com as calças largas de um azul desbotado, pingos caindo do cabelo ainda por secar, a parte de cima à mostra para o nada. Experimento espiar uma lembrança que volta e meia me acorda com gosto de beijo e vontade, com língua tentando explicar o que eu nunca entendo. Permaneço entregue à inércia da não urgência dos fatos, e espero o devaneio ir. A gente vive aquilo que é preciso viver, e quando o preciso precisa de mais, a gente se reinventa. Eu ainda não decidi.

Em resposta à licença: Vez em quando escrevo contando com os olhos pequenos de alguém, que se dizia ler os pensamentos, aqueles meus exravagantes em lágrimas. Essa minha pretensão se confunde com uma certa liberdade em poder dizer sem falar, sem precisar ouvir de volta. Ou não ouvir, esperando. Sei que é confuso. Gosto de não ter que emitir sons, nem ter que encarar frente à frente, mas algo em mim desconhecido não me deixa estabelecer de fato um limite. Eu continuo mandando recados, mesmo sem saber. Sai da minha janela, em sinal de saudade nas madrugadas, uma fumacinha tênue cheiro doce e forte, cheiro lírio único em vaso na mesa de vidro, levando um desses recados para alguém sobre quem eu já não sei.

Querido Ninguém,... A partir de agora permito-me, só por hoje, um fim.

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