sábado, 2 de outubro de 2010

Elas por ...


Ela chegou ao fundo do poço, alimentou os gatos e afundou no sofá. Teve dias preenchidos por nada, e o nada era tão imenso que cegava os olhos. Ela se vestiu com um vestido preto elegante, presente de um homem mais elegante ainda, e sentiu-se no direito de usar o vestido também no desejo de pertencer – mas ele não quis tanto sentimento. Para ele a pele bastava, e sendo assim ela modulava o que estava dentro com comprimidos de farinha e vento. Voltou a fechar as janelas e não viu mais o vento. Ela era linda, mas simplesmente desaprendera a sorrir. Ela passava pelo dia, todos os dias, mas simplesmente ninguém a notava.



Ela agora já nascera desajustada, e vivera à procura da sensação de pertencimento. Ela escrevia. Tinha duas irmãs a quem chamava de queridas, tinha mil mulheres dentro de si, todas ela mesma, todas desconhecidas. Ela existia, e vivia, e sonhava com palavras para exercitar o pensamento. Ela amava o instante, e questionava o tamanho do desejo, a necessidade da angústia, a vitalidade que nascia da raiva e do encantamento. Ela amava os filhos e os outros, e sua voz foi tão intensa que ecoou nos ouvidos e corações das gentes ávidas por qualquer sentido. Um doce deleite na língua que nem era mãe.



Ela nem chegou na metade da metade. Tem olhos amendoados e cor de mel, olhos sempre úmidos, que choram, sorriem e falam. Ela fala pelos cotovelos! Seus cachos caem nos ombros, e eles carregam as dores de quem está se descobrindo gente, passível de todo o sentimento do mundo. Ela sente – sente e ponto final, sem pausas nem prerrogativas. Ela abandonou os subterfúgios e se jogou despida e intensa à vida. Ela dorme numa cama vazia e vigia a madrugada à espera de um sentido qualquer – enquanto se delicia das letras e dores de uma outra mulher. Ela segue um caminho, o mesmo caminho todos os dias, e finge acreditar que ele lhe leva até onde manda o seu destino digno. Mas o que ela quer não tem nome, e o tamanho do seu desejo é também o tamanho do medo.



Ela é óbvia e fácil de ser lida, mas convence muito pouco. Ela já teve um grito maior que todos os outros, inquieta, incômoda, mas decidiu se calar, se conter, se fechar. Doía uma dor sem tamanhos explicitar as crenças, os desejos, a vontade de vida e de luta. Doía descobrir-se, indignar-se, expor-se ao turbilhão ingrato das intempéries do mundo. Ela não sabe mais o que é, e preserva a ilusão de que assim esta fazendo parte. A verdade é que agora ela não pertence mais a coisa alguma, e na solidão do quarto escuro sofre o silencio do grito que não consegue mais sair. Ela se vestiu da superfície, e a superfície é mansa e leve feito o nada. Nada de sonho. Nada de nada.



Ela sou eu, é todas elas. Mil mulheres com faces distintas, e desejos nem tão distintos assim. É tudo mulher: inexplicável, indecifrável, sem palavras e nem necessidade delas. Numa manhã, todas de novo.



Um comentário:

  1. "ela" me convence muito...
    por isso tenho medo as vezes de encostar, pq eu grudo, mas ela nao me agarra de vez.

    eu juro q faço um esforço enorme pra nao te "visitar" e só ficar na vontade de envolver, mas nao consigo, e cá estou de volta, manifestando o desejo de ter vc por perto.

    topa?

    ResponderExcluir