sábado, 2 de outubro de 2010

More than sorry

O jornal comprado antes mesmo da notícia do dia, sob o bater de saltos desconfortáveis no asfalto, está agora jogado sobre a mesa. Não há o que pedir quando não se sabe o quer. Cada dia amanhece e se constrói independente do meu desejo de fazer parte, e eu me abstenho mais do que me sinto capaz de suportar. A vontade de desaparecer é tão tênue que modula distímica o meu passar pelas horas contadas no relógio. A presença do jornal marca a minha presença no dia, mas fora ele eu não consigo lembrar de nada que tenha surgido do meu existir nessa tarde: não lembro mais que jeans estava usando, nem onde coloquei a caneta que rabiscou desnecessária o caderno, nem lembro dos rostos das pessoas que me ultrapassaram na calçada estreita, aceleradas, envoltas em suas bolhas eficientes e cheias de vida. Eu peço desculpas a mim mesma por simplesmente querer parar.

Fui perguntada sobre o mecanismo de produção da lágrima e tive vontade de rir da ironia que isso tudo parecia ser. “Afinal, o que motiva a lágrima se não a tristeza...?” Meu pensamento rígido e monoinsistente me fez pensar que talvez eu estivesse mesmo enxergando tudo pelo avesso dessa vez, porque não me deixou recordar das minhas lágrimas mais intensas e extravagantes, que um dia nasceram dos meus risos mais incontroláveis e cheios de mim. Onde está essa menina agora, quando eu preciso tanto dela? Sinto que estou me esvaindo em cada pedaço de água que escorre dos meus olhos, como se estivesse fugindo do que me corrói por dentro. Enquanto corre, eu silencio.

Ao lado da minha cama, aberto na página oitenta e quatro, um livro consome o que ainda há da minha força vital de fazer parte de um algo qualquer. Uma moça assim como eu, mais misteriosa que eu, tem dormido ao meu lado e me lembrado que a vida tem mesmo dessas coisas. Fora ela ninguém mais sabe. Grito ao telefone. Disfarço a vontade de ser honesta com pessoas que eu pensava que importavam pra mim. Calo-me diante das coisas que na verdade movem os meus sentimentos intensamente. Deixo pra lá, pra depois, pra nunca mais. É como um abandono consentido, um tempo, um desistir daquilo que não mais está exposto e disponível pra mim, pelo menos não nesse momento. Estou cansada. Não quero mais precisar ir atrás, com toda a minha vontade de viver misturando-se a minha vontade de enfrentamento. Se a dor é incurável, aprendi a trapaceá-la e fingir que não mais me importa. Dura. Quando a madrugada chega, aí descarrego aos milhões o gosto amargo de me sentir só.

Não quero parecer ingrata, mas estou cada vez mais relutante em relação ao que tenho descoberto sobre mim. Penso ser essa a saída do casulo, mas sinceramente não sei se estou ganhando asas. O que sinto é uma dor insuportável de acomodação, adaptação, passagem. Sei que não é pra sempre, que logo vai passar, e a minha gratidão vai toda para essa minúscula frágil certeza. Mas sinceramente não sei em que parte do caminho eu estou. Olho para os lados e sinto dentro um vazio amedrontador, preenchido de coisas que me causam ainda mais medo. A verdade é que eu fui feita de uma capacidade avassaladora de sentir, exagerada, triplicada, estratosférica. Eu sinto, mesmo no gelo, mesmo empedrada, mesmo seca. O meu sentir é a minha identidade. Dessa certeza eu não posso fugir.

O papel agora tem uma mancha da água respingada na tinta da caneta vermelha. A palavra está borrada, mas nem assim diminui o peso do sentimento que ela traz em si... E ele é infinito.

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