domingo, 14 de fevereiro de 2010

Someday



A vida é boa em suas arestas aos milhões, seus ângulos tortos e deformados, suas surpreendentes revelações de cada dia. Eu, sinceramente, não posso reclamar – a minha cuíca chora com gozo, e reza na ponta do pé.
Hoje me toma um ar tranqüilo com o cheiro doce daquela flor de amanhecer. Minha cabana tem um teto feito de estrelas, e nele cabe o céu inteiro, iluminado, misterioso, todo escuridão. O som mareia quentinho o meu pé de ouvido, acaricia minha nuca num arrepio bom, e me deixa dormir em paz.
Ao sair do porto, a vela abre e ganha o oceano azul. Sento-me na proa, abro os braços e vejo calmamente a imensidão sem fim, sem pressa de chegar. O vento que passeia por mim é gentil, e não me deixa pensar em trovões. Eu esqueço os trovões, o relampejo, o incomunicável. É como se, naquele momento, os meus pulmões cheios e vivos bastassem, e o seu silêncio fosse a minha oração. Sem pretensão de ter um rumo – eu confio no instinto ao fechar os olhos e me deixar ir. O peso e a leveza, todos na mesma medida, e eu estou simplesmente completa com o nada que tenho. Mais uma vez meus pulmões me lembram...
A vida é boa em suas caixinhas cheias e prontas a encher, mas é boa também em seus caminhões de descarga. Ela é cheia e praticável, mesmo no redemoinho, no turbilhão que embaralha os corpos e as outras vidas com a nossa. É boa quando estamos sós, quando somos plenitude.
Sinto-me invadida por essa sensação preenchida e calma, sem incômodo algum, nem mesmo questionável. Sou o próprio barco a vela, à deriva, à espera. Sem destino e com tudo posto.

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