domingo, 12 de junho de 2011

Bicho.

Dentro de mim há um bicho. Em noites assim, ele escapa e me come. Meu próprio bicho mastiga vorazmente o que resta da minha sensatez. Só me sobra o cheiro.


De olhos bem grandes, olhos negros, profundos, hipnotizantes. Abre a boca e grita suave o seu canto de sereia. Transita delicadamente sobre os espaços, ocupa todas as mesas de quatro lugares no seu discreto cruzar de pernas. No escancarar das pernas.


Meu bicho se apresenta com bilhetinhos de papel manchados de batom, solta os cabelos, puxa forte os cabelos. Olha fixamente para as bocas, e nessas horas eu nem sei o pensamento, se é que há algum - além, é claro, da pele. Não me pede licença, habita sob exuberante forma o meu vestido e os meus sapatos, se embebeda da minha taça de vinho, do whisky alheio. Definitivamente, não pede a menor permissão.


Meu bicho morde as entranhas, o pescoço, todo o ar. Se é que há intenção, sei que ela é má. Todos sabem, e gostam. Ele escorre derretido entre as brechas de sorriso barato que, atiçados, lhe dão. Se vende num jogo dominador, cheio de si, desse dia ser o fim e bastar. É o seu triunfo, a certeza de que ali ele é rei e impera. Sem necessidade de mais.


Meu bicho me toma a voz, mas não fala nada. Não diz adeus nem se justifica. Ao amanhecer, assim como entrou, me sai deixando apenas meu corpo. Sua carcaça. Moído. Descartado. Leva consigo até as memórias – e deixa apenas a dor da ressaca.

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