quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Caleidoscópio


A menina balança aqui fora na rede, sozinha, livro aberto na página 44, pensamento longe. Nem sei ao certo se ela está aqui. Do lado de dentro marido e mulher deitados à cama, ele rindo de uma cena do filme de ação, que na verdade nem teve tanta graça assim, mas é uma risada boa de ouvir. Ela controla sua vontade de falar, porque os outros querem estar em silêncio - e por bem ou por mal há de se respeitar essa vontade.
Primeiro ela que é mais jovem, se banha na piscina, uma braçada aqui, outro giro ali, mergulhos fundos segurando o fôlego. E haja fôlego para levar tanta incerteza dentro de si. Um ar querendo provocar as paredes, as lâmpadas, os lustres, os guardanapos das mesas e o porta copos também - só não quer mesmo ser vista por gente, esse exercício complicado - pelo menos não explicitamente. Ela sai da água caminhando feito sereia, metade do corpo pra dentro, outra metade pra fora, levitando as dobrinhas saudáveis (para não dizer fartas) que carrega entre um e outro braço. Senta-se de pernas cruzadas, tipo borboleta, e fica olhando o mar, por horas, parada. Imóvel por fora... Somente por fora.

O marido, pai, senhor de cabelos grisalhos, oclinhos pequenos e fofos, esse é um grande coração imenso. Duas biritinhas das boas para aquecer o corpo, porque a alma já vem aquecida da vida. Tem somente duas expressões, a severa e esta que está usando aqui. Sorte de todo mundo que a severa ficou em casa, trouxe apenas a outra, que mesmo com chuva e vento faz tudo transparecer mais que perfeito.

A mulher, mama, beata, senhora do destino que teima em carregar suas horas - e a dos outros - sob sua própria vontade. Escolhe um caminho de tropeços para alcançar os corações , como esse percorrido até chegar aqui. Mas tem fé, e boa intenção na prece de frente pro resto do mundo...

Mangabeiras, árvores daquelas de mata fechada e animais com canto muito bonito. A verdade é que de não saber de onde vem a calma eles estão aqui, os três, à procura do começo. Outra vez. Já não se reconhecem completamente, estranham gestos, vozes, faces, até o tipo de prato a ser pedido no jantar. Mas se mantêm juntos. Unidos de um jeito torto. Doloroso e necessário...

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