terça-feira, 27 de julho de 2010

Sede(de)sentir

Estamos todos sedentos por sentimento, por mais que finjamos que não. Por isso compramos bilhetes com acesso a histórias de amor e nos inundamos em finais felizes clichês pra aquecer o coração de esperança. Por essa e toda a vontade de sentir é que rimos ao ouvir noticiada uma loucura inusitada de alguém extravasando emoção, e tomamos como extraordinário qualquer feito cotidiano que extrapole a macicez oca do comportamento diário embotado, calejado, infeliz. Desejamos ir ao cinema em tardes de Quarta-Feira, com sanduíches enormes e lenços de papel; lemos o mesmo best-seller, nos deixando surpreender com o desenrolar previsível, importado de outro mundo que nada tem a ver com o nosso; pagamos caro por qualquer insight que nos faça crer que não estamos vazios por dentro, deitados num divã de frente a um quadro com cores cruas. A verdade é que tudo isso, comercializável ou não em sua essência, se torna alimento do qual somos consumidores insaciáveis, secos que estamos da fonte de nós mesmos.

Li um dia desses que começos são sempre felizes. Todo começo é assim, por definição, feliz – e se você é teimoso o suficiente, faz com que os finais também o sejam. Não sei se acredito exatamente nisso enquanto vivência isenta de frustração, arrependimento e dor, mas de certo modo concordo que temos uma capacidade flexível de nos lembrarmos marcadamente das situações que delimitam “ciclos” e se tornam significativas a ponto da gente achar que ali inquestionavelmente foi “feliz”. A questão nisso tudo, porém, é pensar sobre o que está entre uma coisa e outra, o percurso. O meio é o agora, e dele ninguém costuma falar muito.

Meios são maçantes, lineares, pouco excepcionais. São como uma pena a se pagar (a moeda de troca), uma prova dura até que alcancemos o grand finale, explosão quase orgástica dos cinco minutos em que algo realmente acontece – e é tão imensa que se torna perceptível mesmo a quilômetros de distância. São poucos e raros esses momentos na vida – acho que já vivi um ou dois. Nessa hora, não há nem recordação do que poderia ter sido gosto amargo na boca, dor latente de feridas crônicas, noites cansadas sem sono, antigas novas manchetes diárias repetidas no jornal impresso a cada manhã. São momentos em que futuro não chega a ser nem uma possibilidade, porque a hipótese de que ele pudesse existir estragaria a imensidão da sensação real, presente e onipotente de plenitude que está sendo experimentada. Sim, estamos loucos por essa forma de sentir! Perseguimos ela a todo custo... Daí vem a busca incessante que cega tudo o que envolve o caminho, pois miramos obsessivamente em algo que está longe demais, foge ao nosso controle e que definitivamente não podemos ver.

Há, porém, um suspiro leve e bom em meio a esse desespero compulsivo, uma carta na manga do destino: de quando em vez, ao sermos pegos por um calor no peito que nos faz suar e borboletar a barriga, nos dispomos a abrir os olhos e perceber as cores vivas que nos cercam. Somos provisioramente curados da passividade indiferente, nos damos alta dos serviços

de “elocubração sobre o nada”, e nos enchemos de pressa para degustar todos os sabores novos e intensos que antes pareciam simplesmente não ter sal. Não é tão comum quanto eu gostaria, mas definitivamente faz parte do meio, porque, apesar de não marcar nada excepcional, é aí que sentimos verdadeiramente o quanto estamos vivos – é quando eu sinto que é maravilhoso estar viva, e que por todas as possibilidades inimagináveis vale a pena continuar a viver, cada dia por vez, com tudo aquilo que a vida pode me trazer.

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