domingo, 4 de julho de 2010

Valentino

Entro em casa como se finalmente chegasse ao meu esconderijo. Trago nos ouvidos e na pele o gosto da tarde deliciosa, e sou surpreendida pelo cheiro de canela que já habita cada cômodo meu. Nem tiro os sapatos para não perder tempo, mas a verdade é que eu quero estender essa sensação pulsante noite adentro. Quando o amanhã vier, quero que ele saiba que eu descobri a fórmula do riso e que agora ele mora em mim.

Hoje mesmo na cama antes de levantar tinha me enchido daquelas velhas desculpas pra evitar qualquer tipo de enfrentamento. Os pensamentos quicavam aceleradamente em minha cabeça, e a cada cinco segundos os planos quase definitivos viravam nada mais que poeira antiga e defasada. Pensamento-demodé. Mas de tanto ouvir, resolvi arriscar a idéia de prender a respiração e ir. E foi o que eu fiz: liguei o som no volume mais alto, pra obrigar as palavras em minha mente a dançarem a melodia todas no mesmo ritmo, sem me preocupar exatamente com o que viria depois. Só assim consegui sair, dedos cruzados e tudo. Um vestido verde, verde nos olhos - à espera de que fossem olhados profundamente. Lidos. Investigados. Violentados até que, por fim, e finalmente, se revelassem. Agora estou na rua, olhos, cachos, dentes e tudo. Presa do lado de fora do mundo. Solta na vida!

Um degrau, outro degrau, o sol tímido, mas definitivamente mostrando a que veio. Fila, gente em pé, gente carregando mochila, bolsa, sacola, um bocado de histórias que me deixam curiosa. Eu me sinto gigante, porque meu desejo não cabe dentro de mim. É como se as possibilidades todas da vida se desenhassem em minha frente, e depois saíssem correndo, como se brincando com a minha mania organizada e rígida de propor cada coisa. Continuo caminhando atrás de algo qualquer, inteiramente despida das minhas exigências virulentas, certa de que estou sendo levada ao lugar em que tenho que estar. Há tempos joguei uma moeda num poço de desejos, e aposto dias ensolarados como esse na capacidade daquela moedinha em fazer todos os milagres. Afinal, esse é trabalho dela.

Subo as escadas erradas e agora tenho que atravessar a rua em meio aos carros que decidem não ter freios. Nada pára, nem os carros, nem o tempo. Não tem problema. Me arrisco quase saltitante, certa de que o tempo não importa mais – ali algo me espera e já é meu. Vou vivenciar delicadamente cada suspiro, cada pingo de emoção que cair sobre o meu colo. Me abri sem reservas, me deixei ser tocada por todos os lados, levada pelo teor doce que se descortina à frente de mim.

Encontro um rosto que me faz palpitar disrítmica por uns três segundos, volto a mim, às paredes preenchidas de cores. São mãos, rugas, olhares, e o mar paralisado, como se deixando naquele segundo fotografar. Passeio através dos olhos de outra pessoa, mas acordo em mim lembranças que me fazem extrapolar. Um meio-corpo revelado na luz amarela já me fez acreditar que valeu a pena estar ali. Tenho vontade de dançar no silêncio, mas fico só imóvel, admirando.

Depois, como tudo, um café e mil revelações. Intocados estavam, e assim permaneceram, mas não deixaram de extravasar aceleradamente o que continham. Sem engasgos - só alguns. A tarde foi embora, preenchida das esperanças todas – concretizáveis ou não. Um livro, uma assinatura bonita, um toque de carinho, mas sem tocar. O desejo de fugir e ver tudo de perto, do convite pra ir junto, largar tudo, reconstruir, reinaugurar. Ai, o desejo.

Um tapete com flores me espera na porta de casa, e eu adentro o esconderijo, tiro aos poucos a fantasia, lamentando me despir desse papel... Não entendo ainda o que se passou, mas certamente me ouço declarar uma paixão que nem sabia que ainda existia aqui. Forte e viva. Um fragmento de mim grandioso.

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