terça-feira, 19 de maio de 2009

Quadro

Não sei o que falta, se é que falta mesmo algo. Numa parede branca do meu apartamento tem um quadro que minha avó me deu. Nele, há vários sobrados finos e bem altos, pintados cada um de uma cor. Eles começam grandes, de perto, e vão descendo dos dois lados de uma rua de pedra que termina numa curva. Daí em diante eu já não sei mais. Os sobrados têm janelas grandes, como portas por onde se olha o mundo lá fora. Têm também telhadinhos marrons, que ficam debaixo de um céu azul. Eu moraria no meu quadro, apesar de não haver gente nele (acho que é ainda cedo, está todo mundo dormindo – ontem deve ter sido dia de Yemanjá e eles festejaram até tarde na beira do cais). Aliás, desconfio que há um cais virando a curva, e um mar tão grande que não cabe em si!

Enquanto olho o quadro, imagino uma moça descendo a rua (e ela parece feliz). Ela tem uma flor no cabelo, uma flor vermelha e grande, que combina com o colar de sementes vermelhas que carrega no pescoço. Ela traz uma sacola de frutas e fala com as senhoras que, de repente, aparecem na janela. E passa pelas crianças que gritam pela rua, pulam corda, se escondem atrás dos postes, desenham no chão a amarelinha. Ela veste um vestido de renda branco, com sandálias de couro que fazem parecer que ela está descalça. Fala com o senhorzinho de cabelo branco sentado na porta de um dos sobrados, que espera o outro chegar com o tabuleiro. Fala com uma moça jovem, de riso largo e andar rebolado, que desce pela rua chamando atenção dos rapazes. Agora ela pára no meio do caminho, porque de longe vem uma criança correndo ao seu encontro. É um molequinho cambaleante, que há pouco aprendeu os primeiros passos (mas já pensa que pode voar). Ele a alcança, a abraça, e ela lhe dá um beijo longo. O põe no colo e segue, agora em direção a um homem. Um homem com cheiro de peixe e molejo do mar. Com gosto de sal. Com ar de saudade....

Não sei ainda o que falta, se é que falta mesmo algo. Fico olhando o quadro e me pergunto...

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