terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Enquanto dorme o sol

Faça-me bonita. Esse é o pedido ao pé do ouvido, e antes mesmo do primeiro traço, já se sabia o que iria virar. Essa é a pitada da sorte, a velha e boa carta na manga. Sinto saudades de estar confortavelmente nua com alguém, inteiramente à mostra sem nem perceber. Sem nenhuma intenção, só a permissão em poder ser, o grande prazer da imperfeição humana. Um número de telefone que não esteja no meio de outros muitos, o banco de trás de um carro qualquer alugado no meio de uma tempestade de pedras de gelo caindo enfurecidas do céu. Flashes congelados insistem nervosos em habitar meus desejos, premissas de pensamentos. Eu os alimento fartamente com pedaços inteiros de recordação.
Um velho turco leu a minha sorte na borra do café que tomei a goles calmos. Disse que via pés que caminhavam para lugares distantes, e eu ingeri, além do café, toda a poesia contida nele. Gostei de me ver por trás dos passos largos largados mundo afora. Dentro do peito, um coração com batidas fortes, esperando pela manhã que há de trazer mais. Muito mais.
Quando penso onde estive, com quem estive, enxergo-me projetada, eu mesma, no meu tamanho polegar, minhas pernas curtas cheias de pressa em desacortinar todo o tipo de mistério. Lembro-me especialmente dos bons, com mordiscadas sapecas no lábio inferior da boca, uma imitação chinesa da Paris anos 20, uma dança convulsiva na casa de um senhor de bastante idade. A poesia branca, azul, aurora e cor de terra, toda ela contida numa caligrafia delicadamente escrita com açúcar e mel.
Na luz do entardecer, à beira do mundo inteiro que se colore à minha frente, sinto que sou, ali, para os pincéis pretos e brancos todos gastos, beleza e inspiração. Faça-me dormir em seu colo, e acordar com hálito doce de maçã da manhã.

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