terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Extran(h)o

Não sei se vive, se ainda respira com esses olhinhos pequenos cor de mar. Não sei mesmo, se tem aprendido outro idioma, ou se largou a idéia de conhecer o mundo e voltou pro emprego velho de sempre. O emprego que não te fazia sorrir. Não sei se está feliz, se ainda fotografa os gatinhos perdidos na rua, se ainda tem medo. Não sei se você mesmo não se confunde com um desses gatinhos sem rumo da rua, espiando cantos que te façam sentir seguro, sem frio. Por entre pernas alheias, talvez.  
Não sei se reencontrou aquela moça com quem trocava notícias, aquela que estava apaixonada por você há mais de um ano e se mantinha à espera. Não sei se procurou um médico, como prometeu sob os lençóis de constrangimento, se experimentou um hummus que finalmente fosse do seu agrado, se comeu o curry com gosto de lar. Não sei se tem sentido saudades, palavra que conheceu um dia desses, e que talvez ainda não tenha aprendido a usar. Se lavou as cuecas. Se cortou o cabelo. Se assistiu à final daquele campeonato na TV.
...
Eu sei que você tem tido boas tardes de Sábado. Sei que tem praticado esporte, encontrado pessoas que te querem de braços abertos, tem usado shorts limpos, roupas novas, o mesmo cabelo enorme sem corte da última vez que nos vimos, antes de eu desejar tesouras bem afiadas para picotá-los sem dó. Sei que tem mantido a barba aparada. Tem mantido essa altura desproporcional, que chega a ser doce e engraçada. Tem parecido mais você que nunca. Sei disso e mais um pouco, bem pouco mesmo, clandestina. Porque você não me contou, talvez esqueceu de contar, talvez não quis me deixar saber. Tento não brincar de adivinhar, porque nunca fui exatamente boa nesse jogo de adivinhação, e quando se perde mais que a terceira vez, dói. E daí a gente aprende. Lida com o não saber. E continua a vida não sabendo.
Não sei se você ainda sabe o meu nome sem precisar checar em alguma caderneta jogada perto do resto das memórias. Se existiu algo de real ou se não passou apenas de um sonho bom. Não sei, mas aceito a condição que me permite acreditar o suficiente para aquecer a alma. Se há de haver alguma coisa, que eu desfrute do subterfúgio que agora me olha discreto de longe com seus olhinhos cor de mar... Porque sobre isso eu sei.

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