quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Superfície

De repente os dias e as noites deixaram de se confundir uns com os outros. A urgência é por um cigarro entre os dedos, e a pose que acompanha ele. Placas na beira da estrada espiam curiosas o sabor que há por cima da minha boca. É vontade. Vontade de mais.
Meu sonho antes de morrer é fazer o tipo de coisa que se faz quando se está com saudade. Pena que o tempo é um recurso limitado. Ou pelo menos é o que têm me dito. A minha eternidade se dá agora sentada em frente aos copos misturados com bebidas de diferentes cores, uma azeitona com um recheio de cheiro forte, talvez uma ou duas promessas para logo menos. Sou inteira sal, pimenta e cuminho.
Além de mistério.
Na cama pequena, horas menores ainda compõem meu restrito infinito de possibilidades. Ao meu alcance um livro de cabeceira com umas três frases marcadas de azul bebê, aquecedor roncando sua preguiça essencialmente monótona, nada na TV. Nada no corpo também, nem beijos, nem frases, nem pressa. A seda levemente pretenciosa lembra o quão improvável é essa situação, e em sendo assim, o que me resta é deixar manchar com um gole de vinho barato e farto. Ou um café forte.
A cômoda reflete o verde musgo antigo das gavetas, sintoma de maturidade, de que é hora de crescer. Basta ainda pintar as unhas de vermelho, o batom vermelho nos lábios, os saltos altos, a atitude clichê. Não sei ao certo se isso tudo é para mim, ao menos não agora - gosto das botas verde musgo sujas de barro, do jeans barato desbotado, da boina usada meio de lado. Gosto da idéia de poder, eu mesma, ainda ser gasta na superfície.
Belisca-me a mordida de realidade que se fará essencial após a próxima parada. Fruta madura na feira, noites cheias de tarefas sérias demais, tabela a cumprir. Alguém com quem ter uma conversa tão séria quanto a tarefa. Qualquer outro lugar vai passar a ser inalcançavelmente longe, e eu vou nadar, sem dar mergulhos perigosamente arriscados, à procura de um paraíso justo o suficiente para me deixar... Ser.
Ora, pois, assim se faz a vida! No curto espaço de tempo em que duram meu cigarro, a pose e a poesia. Qualquer outra coisa é apenas parêntesis. 

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